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Por que precisamos de professores profissionais?

“Durante a maior parte do século XX, a *** foi vista como sendo uma função essencial do Estado. Isto era verdade empírica e normativamente. Os Estados detinham a ***. Enquanto, historicamente, a governação da *** era realizada por agências, uma visão mais estreita conduziu ao acoplamento da *** ao aparelho do Estado, isto é, a *** enraizou-se profundamente no pensamento público. A visão da *** centrada no Estado manteve-se até hoje como o paradigma dominante no âmbito da ***”.

(Clifford Shearing e Jennifer Wood)

Os primeiros quatro conjuntos de asteriscos, assim como o sexto, correspondem à palavra “segurança”, o quinto a “polícia” e o último a “criminologia”. Este exemplo serve para mostrar que essas palavras poderiam ser substituídas, respectivamente, por “educação” (sistema escolar) e “Educação”. O significado disto, em Educação, pode ser inferido a partir da declaração surpreendente de que agora “há muito mais agências não estatais de policiamento do que polícias. Nos EUA, por exemplo, o rácio é de 2 para 3”. O artigo citado considera, ainda, as consequências da “desestatização” da instituição tipicamente vista como a base mais fundamental da definição do Estado, enquanto “detentor do monopólio do uso legítimo da violência”.
O objectivo deste artigo é, então, perguntar se e em que medida o mesmo está a acontecer na Educação e, sobretudo, quais poderão ser as consequências da mudança de uma organização pública para uma organização privada do ofício de educar, nomeadamente, em termos de ‘qualidade’ dessa educação e da sua natureza ‘pública’. Estes dois aspectos são, normalmente, considerados como dependentes da natureza profissional e pública do professor.
Curiosamente, não temos que recuar muito no tempo para encontrar uma época em Portugal (Estado Novo) em que a necessidade de formar os professores para educar crianças e jovens não era vista nem como essencial, nem como desejável. Segundo Maria Filomena Mónica, a formação de professores era considerada uma irrelevância perigosa, pois tudo o que era necessário num professor primário era uma formação cristã, que o capacitava com tudo o que ele precisava para saber o seu lugar no mundo.
Naturalmente, os tempos mudaram nos últimos dois terços do século e novos desafios estão a surgir no mundo ‘desenvolvido’ quanto ao papel e contribuição dos professores especificamente formados para ensinar. Estes desafios centram-se tanto no custo dos salários dos professores como no controlo do seu trabalho. As conclusões tiradas a partir das análises àqueles tópicos apontam para um enfraquecimento e para uma diluição do trabalho dos professores, até ao ponto em que se torna pouco fantasioso comparar o destino da ‘Educação’ com o da ‘Segurança’.
Em termos de custos, têm sido constantes os lembretes da Organização de Coope ração e de Desenvolvimento Económico (OCDE) e de outros organismos de que os salários dos professores constituem, de longe, a maior fatia dos orçamentos nacionais de Educação e da necessidade de reduzir este elemento.
Existem duas formas principais para o conseguir: através da redução dos salários ou da redução do número de professores. Ambas são pouco exequíveis.
No primeiro caso, os sindicatos continuam a ser bastante fortes e os professores constituem uma parcela significativa do eleitorado. No segundo caso, mudar o rácio professor-aluno também é politicamente perigoso. No entanto, este é o ponto onde começa a erosão e a diluição da força do trabalho docente; por via de um taylorismo pouco refinado, sustenta-se que nem todos os aspectos do trabalho dos professores precisam de um profissional qualificado – e, como tal, pago para realizá-las – e que o trabalho de ensino pode ser decomposto em actividades especializadas, que, naturalmente, não requerem tanta formação e experiência (e pagamento), como é o caso dos professores profissionais.
Este tipo de taylorismo também articula bem a pressão no sentido de ser necessário um maior controlo sobre o trabalho dos professores, já que profissionalismo significa essencialmente que os professores sabem a melhor forma de organizar e executar o seu trabalho, sendo, por isso, mais difíceis de controlar. No entanto, a base do seu profissionalismo é atacada e corroída por uma combinação do taylorismo, pela avaliação com base nos resultados do seu trabalho e por uma crescente pressão para a prescrição, não só de currículos, mas também da pedagogia a eles associada. Isso pode ser resumido como uma mudança de professores responsáveis pelos resultados do seu trabalho para professores responsabilizados pelos resultados que produzem. Tudo isto somado faz com que manter a integridade – em vários sentidos – do trabalho se torne cada vez mais difícil para os professores. Ao mesmo tempo, a criação de condições para a fragmentação do trabalho docente, promovendo o recurso ao outsourcing contratado, do qual se espera que forneça, nem mais nem menos, o que está no contrato, parece ser uma alternativa cada vez mais provável. A questão fundamental – e bastante assustadora, diga-se – diz respeito às consequências de tais mudanças na forma como vemos a Educação e em que medida esta depende de uma força de trabalho dedicada e profissional.

Roger Dale


  
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Edição:

Edição N.º 193, série II
Verão 2011

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