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Sobre a natureza das letras

As letras são generosas, atentas à nossa sede de evasão, disponíveis em todo o espaço da nossa habitação, permanentes, desde a manhã em que nos insinuamos perante o mundo até que dele nos despedimos para esse destino de que elas nos aliviam, como nos aliviam das certezas e do tédio.
As letras são a forma sincera dos nossos segredos, encorajam-nos na adversidade, jorram impetuosas com a nossa indignação, aplacam-nos a ira quando lhes descobrimos a virtude de sonharmos através delas, são sábias se precisamos de um conselho, ingénuas, maliciosas, exactas, imprudentes, misteriosas, complicadas, melancólicas e imensas, raras, indisciplinadas e organizadas ao mesmo tempo, bastantes perante a nossa maior exigência, tão insistentemente insuficientes quando se trata de as definirmos como quando queremos explicar o sentido da vida. São a sonoridade interior da nossa essência. As letras são uma certidão de vida, são a expressão simultânea das dúvidas e das afirmações com que nos colocamos perante a vida. As Letras, antes de tudo o mais, são uma negação da impotência, do silêncio e da censura que elas subscrevem e justificam, são a própria liberdade e fraternidade, universais, velhas, tão velhas como promissoras de um devir imenso. As letras são uma fronteira invisível, são uma oportunidade de escolha revestindo o belo e o feio, o compreensível e os equívocos, o trivial e o original da mesma e permanente capa. As letras são um caminho inevitável, uma decisão antes que decidamos, como são todos os caminhos e a arbitrariedade dos mais simples gestos e das maiores aventuras. São a nossa conquista que não se esgota. As letras são todos os projectos e as realizações, inesgotáveis, venturosas, primeiras e derradeiras a inscreverem-se nas artes, nas ciências e no olhar, como sejam a luz em si mesma e a definição das cores. As letras são a conclusão, infinita, matemática e inesquecível de toda a nossa sensibilidade e de todo o nosso pensamento, sempre e em todo o espaço em que estejamos ou possamos, por absurdo, não estar. As letras têm a sua vida própria, a nossa, a dos objectos e a de quanto se acoberta da nossa compreensão. São elas que nos darão as respostas e nos permitem dizer.

Luís Vendeirinho


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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