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Quando a saúde é esquecida em todas as políticas

Para que se definem metas e objectivos específicos, se delineiam estratégicas, políticas e actividades se no processo de concretização dos projectos se perde a consciência e o foco do objectivo e da política de saúde?

A vida é complexa. A prática e a reflexão sobre a mesma têm de encontrar equilíbrio para que haja sentido e o caminho escolhido vá de facto atingir a meta que a razão e a emoção determinaram como a melhor num determinado momento e para um determinado espaço. A política de saúde em todos os sectores colide aparentemente com as políticas económicas, de recursos, e até com o gosto dos grupos e dos indivíduos. Aparentemente porque a prazo gasta-se mais a tratar das consequências do não seguimento dessas políticas de promoção de saúde. Mas vivemos num mundo “instantâneo” e a visão de curtíssimo prazo é que importa para a maioria das pessoas “É agora que me apetece um chocolate, e a máquina de venda de alimentos que está no centro de saúde ou na escola vende, por isso eu compro. Se me vai desequilibrar o dia alimentar ou não, isso não me interessa agora. Mais tarde lidarei com a questão, ainda que me custe mais”... Até ao cenário mais grave que é, de facto, depender de outros e de um sistema de saúde para conter (não resolver, porque já não é possível) o problema de saúde. A saúde em todas as políticas foi amplamente divulgada durante a presidência finlandesa da União Europeia, em 2006. Como está a ser concretizada essa política no nosso país? Um exemplo prático: as máquinas de venda automáticas de alimentos (MVAA). Sabemos que a oferta alimentar é determinante do consumo. Se não há disponível, não se acede, não se come. Se há, compra-se e come-se. A oferta alimentar deveria ser predominantemente promotora de saúde. Particularmente se estamos a falar de estruturas-modelo como as instituições de saúde (hospitais, centros de saúde e clínicas) ou de educação (escolas e universidades).
A responsabilidade social das empresas fornecedoras de alimentos deveria ser notória ao oferecer e promover produtos alimentares saudáveis. Mas, na prática, o que temos é que as MVAA oferecem maioritariamente produtos de elevada densidade calórica (promovendo obesidade e outras doenças relacionadas com o excesso calórico e o défice de nutrientes) e fraca densidade nutricional. É comum encontrarmos chocolates, croissants, bolos, bolachas, refrigerantes e néctares, mas raríssimo encontrar sandes de pão de mistura, iogurtes, leite branco, fruta ou sopa. Quer para utentes, quer para funcionários, uma MVAA pode ser uma excelente alternativa a um lanche ou um almoço, caso se esteja longe de casa. É uma oferta usualmente mais barata e, se for saudável, melhor do que o café da esquina! Os referenciais existem, quer na educação (Referencial para uma oferta alimentar saudável nos bufetes escolares, 2006) quer na saúde (Princípios Orientadores para oferta alimentar saudável nas MVAA, ARS Norte, IP 2009). As instituições que contratam as empresas fornecedoras de alimentos deveriam estar comprometidos com estes princípios e exigir a sua aplicação. Por outro lado, as próprias empresas, conhecendo os referenciais e princípios orientadores, deveriam tomar a iniciativa de oferecer e criar uma “fileira saúde” com alimentos a promover. Desta forma temos os recursos (os alimentos a promover e reposições saudáveis), o gosto dos indivíduos e a resposta às suas necessidades – quem procura alimentos saudáveis, encontra-os – e não entra em conflito com o plano alimentar que lhe foi prescrito (centros de saúde ou hospitais) ou que deve fazer no âmbito de um estilo de vida saudável para manter a sua saúde pelo máximo de tempo possível (escola ou universidade). Quando, na prática, a saúde fizer parte de todas as políticas, pode ser que também, na prática, a economia melhore e o sistema de saúde tenha maiores hipóteses de se manter sustentável ao longo do tempo. A política tem de fazer sentido e as políticas de saúde estratégicas e estruturantes precisam de ser concretizadas na prática, por todos os sectores da sociedade e de actividade. Porque não começar pelas MVAA?

Débora Cláudio


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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