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Nós e os outros

Uma escolarização segmentada por identidades dificilmente facilita a integração e muito menos elimina do imaginário social a divisão entre o próprio e o alheio.

Nos últimos tempos, é frequente ler na imprensa e ver na televisão episódios de violência verbal ou física entre adolescentes associadas ao racismo ou à xenofobia. Nada disso surpreende demasiado.
É sabido que o insulto baseado nas características fenotípicas dos alunos, na língua ou na religião, é um recurso muito utilizado entre iguais. É provável que sempre assim tenha sido e que o único factor novo, hoje, seja termos um número muito maior de alunos diferentes nas nossas aulas. Não me interessa especialmente classificar a gravidade destes fenómenos. Ao invés, julgo ser importante chamar a atenção para as razões que explicam por que é tão difícil dissociar do imaginário social a identificação do outro pelos seus atributos étnicos, de origem e pelas suas opções linguísticas ou religiosas. Estas classificações mostram-nos quais são os eixos de segmentação das sociedades e as dinâmicas de exclusão social.
Não há dúvida de que a maior presença de imigrantes em Espanha, ao longo da última década, acentuou as percepções da diferença baseadas nos atributos étnicos. Estas percepções projectam-se socialmente de maneiras distintas, desde o racismo mais extremo até às formas mais subtis de tolerância cultural. O que é que sustenta estes imaginários? Correndo o risco de simplificar uma questão tão complexa, julgo ser possível responder a esta questão a três níveis.
Em primeiro lugar, o discurso político não ajuda em coisa alguma. Seja pelos seus silêncios clamorosos ou pelo uso tosco da imigração como ameaça e fonte de votos, nada de relevante surgiu no discurso político que facilite uma visão dos recém-chegados como parte integrante de nós. A pedagogia das contribuições económicas da imigração é débil e má e não consegue combater a visão de que eles vêm tirar-nos os nossos postos de trabalho. A rentabilidade política parece situar-se muito mais no aqui não cabemos todos ou na insegurança associada a determinados colectivos de imigrantes. Além disso, o discurso político não mostra vontade de contrariar as percepções sociais relacionadas com o assoberbamento aos serviços sociais por parte dos imigrantes. Os dados agregados demonstram que esta percepção é falsa, mas ninguém parece interessado em desmenti-la.
Em segundo lugar, os maiores emissores da rejeição aos imigrantes são os que mais perto estão deles. E esta rejeição parece tanto maior quanto maior é a concentração numérica destes colectivos. O insulto e a rejeição não nascem de um repúdio natural aos atributos étnicos, mas sim de um tipo de relações sociais complexas e, por vezes, conflituosas que conduzem à percepção do outro como uma ameaça ou causa de todos os males. Por outras palavras, estamos mais ante um problema social do que de um problema cultural. Podemos lamentar e condenar o racismo verbalizado, mas pouco conseguiremos se pretendermos corrigir a ideologia supostamente racista dos indivíduos em vez de actuarmos sobre a complexidade dessas relações nos campos da habitação, do uso de serviços públicos, do emprego e da educação.
Em terceiro lugar, e relativamente ao que foi dito, pouco ou nada ajuda que os modelos de socialização escolar tenham de produzir-se em ambientes altamente segregados. A segregação escolar em Espanha é, hoje, tristemente uma realidade consolidada, havendo alguns centros com níveis de concentração de alunos de origem imigrante que rondam os 100%. A passividade política face a este problema é alarmante e o resultado é que a elevada presença de alunos imigrantes em determinados bairros ou escolas produz um efeito de fuga ou de rejeição por parte da população autóctone.
Uma escolarização segmentada por identidades dificilmente facilita a integração e muito menos elimina do imaginário social a divisão entre o próprio e o alheio. Todo o insulto que apele aos atributos dos indivíduos é repudiável. Dadas as actuais circunstâncias, isto não deveria surpreender-nos, mas sim alertar-nos.

Xavier Bonal


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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