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Levedura e leviandade

Entre a levedura e a leviandade vai uma enorme distância. Penso que há muita leviandade em algumas coisas que se dizem por falta de tempo de levedura! 

Coisa que não sei explicar, sempre me coloquei numa posição de não ter certezas. Mas também é verdade que nunca andei à espera da última moda para fazer o fato novo. Se por aí agisse, certamente não teria opinião formada e não actuaria, quando a vida se move em função do conhecimento existente e da actualização permanente dos conceitos. Gosto, portanto, de partir da realidade e da análise dos contextos, mas com uma atitude de prudente interrogação. Daí que aceite os posicionamentos dos outros, embora, sempre na esperança de que ajudem a trazer algo mais ao que se discute. Não me agrada, confesso, quando descubro que sobressai a atitude de martelar por martelar, de escrever por escrever ao correr das convicções pessoais ou de grupo, do conhecimento empírico, portanto, não sustentadas em estudos.
Os anos que levo permitem-me, felizmente, continuar a sonhar, mas também me deram a consistência de saber destrinçar o certo do errado. Não alinho em tudo o que leio, às vezes deixo ali em banho-maria, em uma espécie de tempo de levedura que me proporciona juntar elementos em falta, as tais correcções ou ajustamentos necessários para que a ideia surja com outra consistência. Entre a levedura e a leviandade vai uma enorme distância. Penso que há muita leviandade em algumas coisas que se dizem por falta de tempo de levedura!
Tudo isto a propósito de Educação, do que tenho vindo a defender e dos contrapontos que surgiram. Dizia o grande educador e filósofo brasileiro Paulo Freire que "sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo nem ensino". E deixou para reflexão de todos nós que "se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda", porque a "Educação não transforma o mundo. A Educação muda pessoas e as pessoas transformam o mundo". Mas, para isso, sublinhava o que para mim é muito importante, que "como professor não me é possível ajudar o educando a superar sua ignorância se não supero permanentemente a minha". O problema reside aqui, quando se governa ou se fala do que não se sabe, quando nos deixamos ir pelo senso comum, pela história pessoal, pelo que dá jeito e não pelo conhecimento. Como disse Freire, e eu, humildemente, acompanho-o nesta sua postura, "não posso continuar humano se faço desaparecer em mim a esperança", porque “ela é a alavanca das mudanças sociais", até porque "aprender é um exercício constante de renovação (…) requer uma acção transformadora sobre a realidade”, implica “uma busca constante, invenção e reinvenção".
É por aqui, por uma atitude de humildade e de reflexão, desde logo quando se fala de uma intervenção precoce junto do aluno ou da permanência dos "chumbos"; da arquitectura dos espaços escolares e número de alunos por escola ou da escola transformada em armazém; de uma disciplina designada por Cultura Geral ou da ignorância altifalante; dos quase 400 milhões, em dez anos, para o desporto federado, ou dos magríssimos orçamentos para o desporto educativo escolar; dos currículos, programas e autonomia dos estabelecimentos de educação e ensino ou do conhecimento e das competências adquiridas; dos professores a mais ou do sistema educativo a menos; do cego apoio ao ensino privado em detrimento da escola pública (na Madeira, 33% da oferta educativa já é privada).
Será que o presidente do Governo Regional entende isto? Leu Paulo Freire, entre muitos outros, ou apenas e mal J. Keynes? Do Secretário Regional da Educação e Cultura as minhas dúvidas dissiparam-se há muito, embora acompanhe Paulo Freire: "ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos sabemos de alguma coisa e todos ignoramos alguma coisa, por isso aprendemos sempre".
O drama é que eles não querem aprender. Sobra-lhes em leviandade por ausência de levedura!

André Escórcio


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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