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Investigar para desocultar

Predominam no terreno de ação do professor evidências e fachadas que escondem o seu contrário, opiniões dominantes e versões oficiais que nem sempre promovem processos educativos justos e inclusivos.

A curiosidade, seja ou não motivada pela necessidade, é geradora do processo de procura de respostas a qualquer questão. A investigação organiza de modo sistemático esse processo de procura. No campo social, a curiosidade investigativa não deixa de abarcar a perceção do investigador em relação ao impacto que o conhecimento que prossegue pode vir a ter na vida das pessoas. Isso mesmo subentende Boaventura Sousa Santos [Jornal de Letras, 12.Janeiro.2011], quando refere que a curiosidade investigativa visa desocultar o que muitos interesses ocultam e ir além das evidências do quotidiano, dos lugares comuns, das opiniões dominantes, das versões oficiais do mundo.
A realização da função desocultante da investigação social, condição para que seja socialmente útil e contribua para abrir caminhos de capacitação, de igualdade e de inclusão da investigação social, pode exigir ruturas com cânones e práticas científicas dominantes. Pressupõe atitudes críticas e abertas face às problemáticas de investigação, às condições e aos contextos dos seus sujeitos, às metodologias e à literatura consagradas e reproduzidas no quadro do pensamento científico existente. Exige a consideração permanente das ideologias do investigador e da sua suposta total neutralidade.
A objetividade na investigação social que permita ir além dos lugares comuns e das opiniões dominantes tem, em grande parte, as suas possibilidades e limites na pessoa do investigador. Este não se liberta, em momentos certos, das perspetivas ideológicas que o definem. A atitude crítica honesta a partir dessas perspetivas, sobre elas próprias e sobre as problemáticas de pesquisa, é núcleo gerador de resistência aos fatores de subjetividade e de ocultação, colocados no campo da investigação social.
Estas considerações têm óbvia relevância para a investigação educacional. A educação é, porventura, o mais importante processo de capacitação e de empowerment das pessoas. Predominam no terreno de ação do professor evidências e fachadas que escondem o seu contrário, opiniões dominantes e versões oficiais que nem sempre promovem processos educativos justos e inclusivos. É função da investigação educacional, enquanto processo reflexivo, remover estas “evidências”, revelar lógicas e saberes encobertos e recomendar caminhos de inclusão e de igualdade.
Consequentemente, o referido tem também implicações na formação em investigação educacional, que, nos últimos anos, adquiriu particular relevância nos planos de formação inicial e pós-graduada de professores e educadores. Concretamente, parece ser crucial articular as características da formação em investigação com o papel esperado dos docentes enquanto atores centrais no empowerment dos seus alunos, futuros cidadãos.
O desenvolvimento de perspetivas e práticas investigativas face às suas práticas e ao seu contexto, para identificar fatores e condições criados pelos lugares comuns, pelas opiniões dominantes e pelas versões oficiais do mundo, é condição para estruturar estratégias educativas de resistência àqueles fatores e condições. Aqui adquire particular relevância o papel do professor investigador. 

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico   

Carlos Cardoso  


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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