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Como se a magia alquímica tivesse atingido os seus limites

Em apenas dois séculos, a Química colocou à disposição da sociedade muitas dezenas de elementos anteriormente desconhecidos, abarcando praticamente toda a tabela periódica.

A Química moderna surgiu, como outras ciências disciplinares, a partir da Filosofia Natural, no século XVIII.
É habitual considerar Antoine Lavoisier (1743-94) como o pai da Química. De facto, ele estabeleceu os primeiros fundamentos da ciência moderna no que respeita à constituição da matéria. Apoiado em muita experimentação feita no seu laboratório pessoal, fazendo medições pormenorizadas de massa e de volume, com recurso sistemático à balança, estudou a combustão de variadas substâncias e elementos químicos, bem com a respiração de seres vivos. Estabeleceu um princípio fundador da ciência (princípio da conservação da massa), identificou o oxigénio e o azoto, estabeleceu o paralelo entre combustão e respiração. E fez uma sistematização dos elementos químicos então já conhecidos, onde (erradamente) incluiu o calor (calórico) e a luz, não se apercebendo que se tratava de propriedades ou atributos da matéria, e não seus constituintes.
Lavoisier era um francês de boas famílias que cursou Direito e Ciências, para depois – a par de investir numa companhia privada de colecta de impostos, que lhe proporcionou bons rendimentos – construir e equipar o seu próprio laboratório, onde expandiu a paixão pelos desafios intelectuais e pela experimentação. Não obstante o reconhecimento adquirido e os vários serviços que como cientista prestou ao Estado, pelo seu passado comprometido com a colecta de impostos, foi executado durante o período mais violento da longa revolução francesa.
Ao entrar no século XIX, a revolução industrial estimulou a pesquisa de novas substâncias e propriedades e forneceu novos meios técnicos para esse efeito. Nessa acelerada expansão da pesquisa foram descobertos muitos novos elementos químicos, ainda que para a maioria não fosse encontrada qualquer utilidade imediata.
Foi então que surgiu outra grande figura da Química, Dmitri Mendeleev (1834-1907), que, assumindo uma interpretação atomista da matéria, ainda ousada para a época, e constatando a variação regular das propriedades químicas dos elementos, quando ordenados segundo as suas massas atómicas, os agrupou de acordo com essas semelhanças, em famílias e períodos. Assim foi descoberta e proposta a Tabela Periódica dos Elementos (1869). Tão bem sucedido foi no seu estudo que identificou casas vazias nessa tabela, correspondentes a elementos ainda desconhecidos, que viriam mais tarde a ser efectivamente descobertos com propriedades compatíveis com a sua localização na tabela.
Mendeleev era um siberiano pobre, que, não obstante uma vida atribulada, conseguiu com muita determinação adquirir educação superior em São Petersburgo (onde mais tarde viria a ser professor), tendo alcançado grande prestígio e reconhecimento mundial pelas descobertas fundamentais e antecipações surpreendentes.
Uma vez estabelecida a Química como ciência básica e esteio de um poderoso sector da indústria moderna, colocavam-se outras questões, designadamente a génese e a mutação dos elementos químicos.
A mutação dos elementos químicos tornou-se objecto de investigação a partir da descoberta da radioactividade e da identificação dos elementos mais pesados, instáveis – os actinídeos (Pierre e Marie Curie, 1898). O átomo deixou de ser pensado como imutável e adquiriu estrutura interna. Por outro lado, dada a estrutura interna, passa a ser compreensível a regularidade das propriedades químicas e físicas dos elementos. E a Química passará a focar-se também nas alterações ao nível do núcleo atómico. Surgiram a Química Nuclear e a Radioquímica.
A génese dos elementos é uma questão cosmológica. Estando o Universo em evolução e, potencialmente, tendo tido um estado de partida, como e quando se terão formado os elementos químicos? A síntese nuclear foi demonstrada por Hans Bethe (1939), ao propor um ciclo de fusão nuclear que não só explica a síntese dos elementos mais leves até ao carbono, a partir do hidrogénio e do hélio, como é também a explicação categórica da fonte de energia que alimenta as estrelas. A síntese de elementos progressivamente mais pesados, até ao ferro (o núcleo atómico mais estável), decorre segundo o mecanismo de fusão proposto por Fred Hoyle em 1954.
As estrelas massivas, uma vez exaurido o combustível nuclear necessário à alimentação da cadeia de núcleo-síntese por fusão nuclear, implodem (graviticamente) e logo de seguida explodem (nuclearmente), pondo termo às suas longas vidas. Nesta etapa excepcional são brilhantes super-novas, breves segundos durante os quais é disponibilizada potência colossal, por essa via alimentando a síntese (endotérmica) dos elementos mais pesados até aos actinídeos e projectando imensa radiação e matéria no espaço, restando depois como discretas estrelas de neutrões ou buracos negros.
Assim é emitida para o vasto espaço matéria, cobrindo toda a tabela periódica, que acaba por constituir-se em diluídas nuvens de gases e poeiras. Nuvens que eventualmente coalescem em nuvens pré-estelares, que, evoluindo segundo as leis da Física e da Química, lentamente se diferenciam em estrelas que, no centro, concentram sobretudo o hidrogénio e o hélio, e em planetas sólidos ou gasosos. que, na periferia, concentram sobretudo os elementos mais pesados. Assim temos o Sol, a Terra, Júpiter e demais planetas do sistema planetário.
Esta presente realidade significa que o Sol é uma estrela de terceira geração, incorporando, ele e os seus planetas, os elementos de toda a tabela periódica sintetizados por estrelas já extintas, cuja matéria foi projectada há alguns milhares de milhões de anos por super-novas cujo brilho fulgurante dificilmente poderemos ainda observar a muitos anos-luz de distância.
Com as muito diferenciadas propriedades dos 92 elementos da tabela periódica, inúmeras combinações e resultantes propriedades podem ser, e são, obtidas. A Química diferenciou-se, também ela, em diversos ramos, desde a Química Física, Química Inorgânica e Química Analítica, à Química Orgânica, Bioquímica e Cristalografia, às fronteiras transdisciplinares com a Física, Biologia, Medicina, Geologia e as novas tecnologias (Biologia Molecular, Geoquímica, nanociências e nanotecnologias) e em ciências aplicadas às tecnologias industriais e ambientais.
Em apenas dois séculos, a Química colocou à disposição e efectivo uso da sociedade humana muitas dezenas de elementos químicos anteriormente desconhecidos, praticamente abarcando já toda a tabela periódica. Como se a magia alquímica tivesse atingido os seus limites.

Rui Namorado Rosa


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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