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Cidadania patrimonial: emergência e desafio

Da educação à cidadania patrimonial

Ao reflectirmos sobre a necessidade premente de promover uma verdadeira educação patrimonial, essa preocupação advém do que, diariamente, constatamos no meio que nos rodeia, onde as cidades e outras localidades se degradam, não apenas pela falta de conservação, mas também pela conspurcação através do uso e abuso dos tags (assinaturas), quase como uma marcação de território, ou pelas pinturas murais feitas em locais desapropriados, os chamados graffitis, normalmente pouco elaborados, feitos de forma rápida, em sítios ilegais, ou até em sítios históricos, numa completa vandalização dos bens comuns. Será isto arte ou défice de cidadania patrimonial? Claro que todas estas manifestações nada têm a ver com aquilo a que podemos chamar a "arte urbana" dos writers que decoram várias superfícies de forma artística, como se fossem telas, em espaços degradados, parecendo querer dar "vida nova" a locais para onde ninguém anteriormente olhava. Há, portanto, que destrinçar onde é possível levar a efeito estas actividades e onde é absolutamente ilegal a sua prática.
O alerta sobre este tema também pode partir da escola, mostrando o lado "bom" do graffiti e a vontade de quem o elabora no sentido de transmitir uma mensagem, algo que poderá vir a constituir um verdadeiro património e não um atentado ao património já existente. Ora, a escola, através de uma criteriosa educação patrimonial poderá ter um papel preponderante, pois a sua função social implica a urgência de repensar, reescrever e reinterpretar o espaço das cidades, espaços onde se produzem alterações sociais profundas, resultantes da exclusão social, da segregação espacial, do desemprego, da violência, das muitas necessidades acumuladas e não satisfeitas.
Importa consciencializar para o respeito pelo património cultural, valorizando as diferenças e tendo em consideração que "a existência de uma verdadeira diversidade cultural será factor de complementaridade e não de fragmentação” pois, cada um, consciente da sua própria memória e das suas raízes, terá uma noção mais forte de pertença e de defesa dos valores comuns (Guilherme d’Oliveira Martins, Portugal: Identidade e Diferença).
Se o património é algo que herdámos dos nossos pais e antepassados, ele implica um sentido de apropriação e de testemunho, relacionados com o sentimento que cada comunidade manifesta em relação à "sua" terra e a tudo o que dela faz parte. Património é, assim, algo que se relaciona com o sentido de posse, o que implica direitos e deveres. Mas possuir essa herança implica, também, o direito à fruição e o dever de protecção, pelo que este princípio só terá viabilidade plena quando conhecemos o bem patrimonial e o reconhecemos como algo que nos foi legado e que deveremos transmitir como herança para os vindouros,
Sabendo que o Estudo do Meio pretende criar uma estreita relação entre aquilo que o aluno aprende na escola e o que ocorre dentro e fora dela, em diferentes tempos e lugares, a possibilidade de estabelecer essas relações representa uma oportunidade quase inesgotável na aprendizagem, privilegiando-se a interdisciplinaridade. É precisamente a partir desta realidade – o meio em que a criança e o jovem se movimentam – que o trabalho da educação patrimonial pretende desenvolver um processo activo de conhecimento crítico e de apropriação consciente do património, e consequente valorização e animação do mesmo. Educar os jovens para a cidadania patrimonial é fornecer-lhes um instrumento de alfabetização cultural, capacitando-os para uma leitura compreensiva do universo sócio-cultural em que estão inseridos, favorecendo o seu desenvolvimento individual, num permanente diálogo entre si e a sociedade, pois "a ligação das pessoas à terra é também ancorada em referências de identidade" (Álvaro Duarte de Almeida e Duarte Belo, Portugal Património).
Torna-se importante que os educadores e professores das várias áreas de ensino e dos vários ciclos reflictam e sejam sensibilizados para conhecerem novos recursos para a abordagem do património local, de modo a educar e sensibilizar os jovens para a cidadania patrimonial, incentivando atitudes de preservação e animação do património e proporcionando a apreensão das noções de cidadania e de responsabilidade social.

Novas estratégias pedagógicas: aprendizagens mais consistentes

A educação patrimonial deve implementar acções educativas que sigam uma metodologia fundada nas etapas de observação, questionamento, investigação, registo, apropriação e valorização do património cultural, definindo para cada uma dessas etapas os respectivos objectivos e propondo as consequentes actividades, sendo as diferentes expressões desse património o ponto de partida para uma profícua actividade pedagógica de exploração dos múltiplos aspectos oferecidos.
A veiculação de material informativo, a realização de exposições, de eventos diversos, a publicação de livros e revistas, a produção de vídeos e outros materiais, como também a promoção de acções de formação, tomar-se-ão factores de elevada importância para o desenvolvimento da cidadania patrimonial. A produção de materiais e a sua circulação/divulgação possibilitarão a troca de conhecimentos, num processo contínuo de enriquecimento individual e colectivo. Trata-se, assim, de garantir e assegurar que todos os bens patrimoniais – os monumentos, os lugares, os vestígios humanos, as pessoas, as comunidades, as paisagens – sejam elementos activos do conhecimento mútuo e de compreensão entre todos (Oliveira Martins).
Partindo do princípio de que será inglório continuar a insistir na protecção e conservação de sítios, bens culturais e monumentos sem a implicação directa dos cidadãos, toma-se necessário um envolvimento dos mesmos que resulte numa participação responsável, pois, ao contrário de os manter afastados do processo, conquistar-se-ia, assim, uma parceria consciente, estimulando-se a noção de cidadania.
Assim, o contacto directo com os bens patrimoniais e um melhor conhecimento desse património cultural geraria também uma consciência de defesa do que é comum, público, assim como uma noção de apropriação mais adequada desses bens por parte dos cidadãos. Deste conhecimento e da apropriação mais directa por parte das comunidades poderá resultar um factor indispensável ao processo de preservação sustentável do património cultural.

Considerações finais

Será cada vez mais urgente que a formação cultural e a consciencialização sobre o valor do património se inicie desde a infância, num alerta constante sobre a preservação dos bens comuns, pois cada comunidade deverá estar desperta para a sua cultura, memória e identidade por meio da sensibilização para a preservação de uma herança colectiva. Daí que criar e desenvolver nas crianças e nos jovens uma consciência de preservação, respeito e admiração pelo património cultural e pelas diferenças e semelhanças de cada região do país será, sem dúvida, a grande meta a atingir com a educação patrimonial que deverá funcionar sempre como instrumento de cidadania, dado que se promovem, simultaneamente, sentimentos de identidade e atitudes de cidadania, através do conhecimento do património cultural.

Maximina Girão


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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