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Avaliação, prática e experiência vivida

Independentemente dos objetos considerados, parece fundamental que em qualquer processo de avaliação se tenha na devida conta a prática e a experiência vivida pelos intervenientes, articulando-as, quando necessário, com abordagens mais baseadas no pensamento criterial. Se não, as avaliações em educação tornar-se-ão, inevitavelmente, numa mera “ciência de poltrona”.

A prática ou as práticas têm sido entendidas pelo menos, segundo duas perspetivas. Uma que resulta da clássica dicotomia com a teoria; isto é, a teoria e a ciência estão na base dos nossos processos de reflexão e de pensamento e a prática trata de as introduzir e aplicar no nosso dia a dia. Nesta visão, a teoria e a prática acabam por ser definidas por oposição. Noutra perspetiva, a prática aparece associada ao conhecimento prático, não sendo, por isso mesmo, definida a partir da dicotomia teoria-prática. Aproxima-se do significado da praxis, traduzindo a ideia de que os seres humanos, no desenvolvimento das suas atividades e como membros de uma dada sociedade, se preocupam em fazer as coisas bem feitas quando interagem diariamente com os outros. A prática tem a ver, assim, com as formas de lidar, de estar e de interagir com os outros e, por isso, há um envolvimento, uma partilha de significados e de valores que ocorre no âmbito de uma tradição que está ligada às experiências de vida das pessoas.
A prática é um conceito analítico ou uma perspetiva teórica que nos proporciona uma forma de estudar os significados que as pessoas atribuem às experiências que vivem no âmbito de um programa que esteja sob avaliação. Neste sentido, as práticas não são objeto de análise, mas antes importantes meios que nos permitem compreender e avaliar um dado programa.
É a partir da atividade prática e do conhecimento (prático) das práticas reais do dia a dia que o processo de avaliação se desenvolve, permitindo a elaboração e a formulação de juízos acerca do mérito, do valor ou do real significado das ações planeadas no âmbito do que está a ser avaliado. Porém, isto não significa que uma abordagem de avaliação através da praxis rejeite a relevância do chamado pensamento científico ou, como nos diz Robert Stake, do pensamento baseado em critérios. O que significa é que a produção de conhecimento científico válido, generalizável e supostamente objetivo, parte da descrição, da análise e da interpretação do que os práticos são capazes de fazer e alcançar através do seu conhecimento e das suas ações do dia a dia.
A experiência vivida parece ter sido parcialmente motivada pelas críticas às perspetivas de avaliação orientadas pela medida, mas também, como não poderia deixar de ser, por desenvolvimentos ontológicos e epistemológicos que, nas últimas décadas, foram abrindo caminho a novos paradigmas e a novas racionalidades no domínio da investigação em ciências sociais e, em particular, em educação. Hoje, é geralmente aceite que a compreensão profunda de qualquer fenómeno ou ação social deverá implicar, antes do mais, a compreensão das visões, dos significados e dos conceitos que os diferentes intervenientes (atores) sustentam acerca do que estão a fazer e a viver. Porém, é necessário que o rigor metodológico imponha procedimentos que garantam a necessária solidez e a credibilidade da avaliação desenvolvida. Caso contrário, facilmente cairemos no campo sempre movediço, ainda que atraente, das meras impressões.
Os conceitos de experiência vivida e de prática propiciam novas formas de olharmos para a avaliação. Sublinham a necessidade e a importância de não nos cingirmos à utilização de modelos lógicos e a todo o tipo de elementos próprios das perspetivas empírico-racionalistas, para passarmos a ter em conta conceitos analíticos que nos ajudam a compreender a natureza processual e deliberativa da prática.
Em suma, independentemente dos objetos considerados (aprendizagens, ensino, métodos de ensino, competências profissionais), parece fundamental que em qualquer processo de avaliação se tenha na devida conta a prática e a experiência vivida pelos intervenientes (professores, gestores, alunos), articulando-as, quando necessário, com abordagens mais baseadas no pensamento criterial. Se não, como nos disse John Dewey em «The Sources of a Science of Education» (1929), as investigações (as avaliações) em educação tornar-se-ão, inevitavelmente, numa mera “ciência de poltrona”.

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico

Domingos Fernandes

 


  
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Edição:

Edição N.º 192, série II
Primavera 2011

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