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Carlos do Carmo no Pavilhão Atlântico

charme de Basie contagiou o Charmoso e Sinatra aplaudiu

Por volta dos meus 13 anos habituei-me a sair na estação de Cascais e a seguir a multidão que se dirigia ao pavilhão do Dramático. Lá dentro, um senhor gordo e de óculos verdes, mal se dirigia ao palco, levava uma monumental assobiadela, situação que eu, na minha ‘aburrescência’, nunca compreendi. Os músicos subiam ao palco, o senhor continuava sentado, como se fizesse parte do elenco, e eu tentava, a muito custo, perceber o que ouvia…
O Manel, em Campo de Ourique, vendeu-me os primeiros discos de jazz, a 90 e a 100 escudos – alguns a 120... E foi assim, a muito custo, que comecei a gostar de jazz.
Um dia conheci o tal senhor gordo e de óculos verdes – e fiquei amigo do Villas Boas. Do muito que aprendi com ele, houve uma palavra que ficou alojada, para sempre, no meu coração – acreditar. Foi por acreditar que o Villas trouxe os maiores nomes mundiais do jazz a este país, plantado à beira-mar. Foi por acreditar que eu gravei, em Hong Kong, “Sinais de Yuanju”, com o Wong On Yuen. E na apresentação do disco, em Portugal, quem estava na primeira fila?! O Carlos do Carmo! charme de Basie contagiou o Charmoso e Sinatra aplaudiu Carlos do Carmo no Pavilhão Atlântico Joana Lima Rocha
Aos 12 anos, o Carlos começou a ouvir Sinatra. E foi assim, como ele disse no dia 10 de Novembro, no Pavilhão Atlântico, que “Frank Sinatra deu uma ajuda preciosa às aulas de inglês da minha querida professora D. Celeste”. Como quem persegue os sonhos, mais cedo ou mais tarde, consegue realizá-los, o Carlos realizou o seu – porque sempre acreditou que um dia, nem que fosse aos 70 anos, conseguiria cantar com a grandiosa Count Basie Orchestra.
Sentado na cadeira amarela, eu perseguia os sons das palavras, como se fosse eu que estivesse no palco. O Carlos estava nervoso, embora o disfarçasse. Sabem porquê? Porque ele é o maior artista de palco português, na minha modesta opinião…
Eu também estava nervoso. Por ele. Mas muito orgulhoso por o meu amigo estar a realizar o seu grande sonho. Nunca duvidei do Carlos conseguir cantar Sinatra, pois quem canta bem, por defeito, canta bem qualquer coisa – e cantar bem não é exibir oitavas graves e agudas, é respeitar as palavras e atribuir-lhes o tempo do som em que o compositor se inspirou, na tela em branco da partitura. Não há jazz sem swing, e a grandiosa orquestra de Count Basie mostrou porque está bem viva ao fim de 75 anos de existência (e 17 Grammy’s). A orquestra abriu, como deve ser, com uma direcção discreta e superiormente envolvente do seu maestro (Dennis Makerell), respeitando a sonoridade que lhe é tão peculiar; o pianista (Tony Suggs) a escolher as poucas notas que Basie tão bem escolhia, numa subtileza sublime, nunca o ouvimos correr apressadamente no teclado; o baterista (Marion Felder) a deixar bem patente que sem um motor activo uma big band não swinga; e os naipes numa dança tímbrica a lembrarem as sonoridades mais antigas, onde as surdinas e os hat’s são essenciais.
O senhor Carlos do Carmo (homem e artista) a brincar com o tempo, com subtileza, sem nunca deixar a orquestra ficar órfã e sem sentido rítmico – “The Shadows of Your Smile” foi soberbo. Como Sinatra fez durante a sua carreira – escolha criteriosa do repertório, assentando em grandes compositores como Gerswin, Berlin, Mercer Kern, entre outros –, também a escolha do Carlos foi arrojada, fugindo aos New Yorks, por certo desapontando aqueles para quem a música é sempre de fundo, num volume muito abaixo dos televisores espalhados pelas várias assoalhadas…
Depois de se ouvirem os últimos acordes de “You Make Me Feel So Young”, ainda restava a esperança da introdução musical mais conhecida do mundo (ta-ta, ta-ta-ra, ta-ta, ta-ta-ra), mas ainda bem que não aconteceu. “Makin Whoopie” lembrou-me as primeiras aulas de jazz no Louisana (clube do Villas Boas) – foi o primeiro tema de jazz que toquei. E “Fly Me To The Moon” foi outro daqueles momentos em que o swing incitou à dança e demos uns passinhos no imaginário das nossas recordações…
Vamos agora espreitar os bastidores… Claus Nymark com a sua big band, e durante vários ensaios, serviu a voz do Carlos e preparou-o para o embate final. Becas foi o responsável pelo som que se fez ouvir no pavilhão; escondido no lado esquerdo, Francisco Grilo serviu os músicos de palco; e as luzes só poderiam ser desse mágico da paleta de cores, Pedro Leston.
Rui de Carvalho, Eunice Muñoz, Luís Represas, Fernando Tordo, Bernardo Sassetti, Henk Van Twiler – alguns dos que consegui cumprimentar; desculpem-me os que não refiro, mas foram tantos os amigos que quiseram dar o abraço (onde o corpo se junta à alma…). E a Judite, sempre atenta, sempre a cuidar do Carlos como se fosse o Carlinhos… [Ainda houve um responsável da imprensa especializada que me questionou:
Ó António, mas o Carlos não é fadista? Fez-me lembrar alguém que, na mesma publicação, em tempos passados, deixou um colaborador escrever que não há blues alegres… Há que respeitar as opiniões, não há é que duvidar das aptidões!]

ENCONTRO FELIZ. Não é um disco de fado, nem de jazz; é uma fusão entre personalidades musicais, num encontro inédito na música portuguesa. Carlos do Carmo e Bernardo Sassetti juntaram-se para gravar um disco de voz e piano, com um reportório desenhado entre clássicos da música portuguesa e do cancioneiro internacional. A ideia foi escolher temas que nem um nem outro tivessem já cantado ou tocado, e assim foram revisitadas canções de José Afonso, Sérgio Godinho, Fausto, Rui Veloso, Violeta Parra, Léo Ferré e Jacques Brel. A estes junta-se um original de Sassetti, com poema de Mário Cláudio, um outro de Manuela de Freitas e Carlos Manuel Proença e um tradicional açoriano. O disco inclui um documentário realizado por Aurélio Vasques, que resume o encontro.

António Ferro


  
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Edição:

Edição N.º 191, série II
Inverno 2010

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