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Mega-agrupamentos: O risco de um cavalo-de-tróia

Os chamados mega-agrupamentos poderão ser vistos à luz de alguns aspectos positivos. Mas se essas mais-valias não forem o princípio axial da reorganização do parque escolar, corremos o risco de uma série de desvantagens, bastante prejudiciais à Escola e à Sociedade.

Sócrates, o filósofo grego, era filho de Fenarete, que, sendo parteira, ajudou muitos gregos no seu primeiro contacto com o Mundo; talvez por isso não tivesse continuado a profissão de escultor com seu pai e acabasse por se interessar pelo conhecimento de si e dos outros, enquanto seres humanos com opções. Como se sabe, apesar de ser depois invocado exaustivamente por Aristóteles, Platão, Aristófanes ou Xenofonte, não deixou qualquer documento escrito por entender que o que ficava registado assumia uma essência hirta, que não dialogava com ninguém, não se automodificava, não evoluía, não fazia sentido.
Sócrates – que não era José – tinha a noção perfeita de que o que era dito, ainda que passasse pelo exercício da ironia em aceitar qualquer enunciação, chegaria maiêuticamente, pelo reconhecimento das limitações da maior parte dessas definições, a um conceito. Afinal, tratava-se de, como sua mãe, ajudar a “dar à luz”; mas, neste caso, ideias.
José parece seguir o percurso inverso. Conhecendo conceitos relativamente estudados e assumidos, aceita depois qualquer definição, ainda que pareça não a entender muito bem, desde que tal signifique o que na sua cabeça considera uma medida política rápida, ainda que inoperante. Os chamados mega-agrupamentos poderão ser vistos à luz de alguns aspectos positivos, dos quais será de destacar estes seis:

– contribuição para uma maior ligação à cultura e à economia das regiões;

– possibilidade de as escolas serem verdadeiros pólos de dinamização cultural, social e até económica;

– desenvolvimento da autonomia relativa facilitadora de procedimentos de gestão, apoiado simultaneamente pelo poder central e pelas autarquias;

– envidar esforços conjuntos que permitam seguir devidamente os processos de desenvolvimento dos alunos em todo o percurso escolar;

– possibilidade de rentabilizar ainda mais determinados membros ou grupos das comunidades escolares;

– possibilidade (finalmente, após mais de 30 anos de democracia!) de juntar nos mesmos objectivos e actuações escolas estigmatizadas desde sempre, umas como muito boas (“universidades”) e outras como muito más, diferenciação ignóbil que não faz sentido na Escola Pública.

A demologia com que, aparentemente a partir das Direcções Regionais de Educação, este processo se desenvolveu – decisões de um momento para o outro, tentativas de imposição sem consulta dos parceiros, menosprezo pelo papel das autarquias, desapreço pelo necessário conhecimento de cada um dos casos – leva, naturalmente, a que todos os que se preocupam (ainda!) com a Escola Pública se tornem apreensivos e que aqueles a quem compete tal tarefa, os sindicatos, se insurjam, por vezes com todo o direito, nomeadamente perante a falta de diálogo ainda que tácito (socrático?) do Governo.
Se as mais-valias enunciadas não forem, em verdade, o princípio axial desta reorganização do parque escolar, correremos o risco de uma série de desvantagens, bastante prejudiciais à Escola e à Sociedade, como algumas das que se enumeram:

– os novos agrupamentos serão completamente descaracterizados devido à falta de identidade, que terá origem, sobretudo, na descontextualização em relação às comunidades educativas;

– a iniciativa local não será uma vantagem se tender para transformar a Escola Pública num ensino unicamente ao serviço dos interesses económicos privados;

– a municipalização poderá assentar em interesses político-partidários, pouco convenientes ao bom funcionamento das instituições;

– os Conselhos Gerais poderão transformar-se em órgãos autoritários, incompatíveis com o exercício da democracia e com o bem-estar das comunidades escolares;

– os novos mega-directorespoderão não ter a formação necessária que, para além de uma gestão de largo espectro em termos burocráticos e económico-financeiros, responda às características específicas da vertente humanista e pedagógica por que as escolas ainda se regem.

Se não forem evitados estes perigos, poderemos prever que José Sócrates sera o novo Odisseu, o grego que os romanos tornaram mais conhecido por Ulisses e que alguns afirmam ter “inventado” o cavalo de Tróia. Só que, desta vez, não emergirão os valores da Pátria. E este cavalo será um vírus a abrir mais uma porta para uma nova invasão do bem-estar do povo português.

José Rafael Tormenta

Escola Secundária de Oliveira do Douro (V.N. Gaia)


  
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Edição:

Edição N.º 190, série II
Outono 2010

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