Página  >  Edições  >  Edição N.º 190, série II  >  Pragmatismo, educação e democracia: o legado universal de Jane Addams (2)

Pragmatismo, educação e democracia: o legado universal de Jane Addams (2)

A sua acção, embora apoiada em princípios bem marcados nos domínios da ética social, da política, da economia e da religião, era determinada pela utilidade e pela capacidade de mobilizar os meios que permitissem resolver problemas concretos.

Ainda que não estivesse integrada no mundo académico, Jane Addams participava em discussões de natureza política, económica e social com os precursores do pragmatismo norte-americano (Dewey, Tufts, Pierce). O seu trabalho pioneiro e exemplar na Hull House, junto das populações imigrantes carenciadas de quase tudo, tinha o mérito de contribuir para resolver problemas concretos das pessoas com a participação activa da comunidade. Curiosamente, o desenvolvimento da Escola Pragmatista de Chicago está associado à resolução de situações reais decorrentes dos problemas da explosão demográfica, da urbanização e do crescimento económico. A resolução dos problemas estava, naturalmente, baseada num conjunto de pressupostos de natureza ética, social, política e religiosa, que, no entanto, não eram encarados de forma dogmática. As situações concretas e a reflexão sobre elas e sobre as acções a empreender determinavam os ajustamentos que se viessem a revelar necessários. Os pragmatistas não perfilhavam visões dicotómicas do mundo que, supostamente, traduziam verdades universais e intemporais que orientavam as práticas; para eles, a concretização dos grandes desígnios da sociedade (justiça social) era um processo mais ou menos aberto e, assim, de algum modo dependente da evolução das circunstâncias.
É neste sentido que Addams é um elemento relevante para o movimento pragmatista, pois a sua acção, embora estivesse apoiada em princípios bem marcados nos domínios da ética social, da política, da economia e da religião, era também determinada pela sua utilidade e pela capacidade de mobilizar os meios que permitissem resolver os problemas concretos.
Quando, em 1889, Jane Addams e Ellen Gates Starr, iniciaram o seu projecto de educação e formação comunitária na Hull House, tinham a concepção de que a democracia começava em casa e na comunidade. Era nestes contextos que o trabalho pedagógico e social da Hull House se orientava para que as pessoas, interagindo umas com as outras, tomassem consciência da unidade económicada sociedade, um conceito pragmatista com claras influências dos reformadores protestantes calvinistas. Ou seja, os esforços deveriam ser desenvolvidos para a construção da democracia social e da referida unidade económica, em que todos deveriam participar.
De acordo com Addams, o movimento dos centros sociais comunitários inspirou-se em três motivos principais. Um deles, era o de prosseguir a ideia de que a democracia não é um mero conjunto de procedimentos formais e políticos, mas tem que ser essencialmente um organismo social. Na verdade, para os pragmatistas da Escola de Chicago, a democracia nem era uma possível etapa para uma sociedade sem classes, nem uma mera questão de procedimentos formais. Para Dewey era, antes do mais, uma forma de vida em sociedade, de experiência conjunta de comunicação, de interacção social.
O outro motivo tinha a ver com a necessidade de mobilizar a sociedade e todas as suas potencialidades para o progresso da humanidade. Neste caso, Addams considerava que a educação desempenhava um papel determinante, que na sua opinião estava longe de cumprir a sua missão, pois limitava-se a educar os cidadãos para a passividade e não para os envolver crítica e conscientemente na construção de uma democracia verdadeiramente social, isto é, mais justa sob todos os pontos de vista.
Finalmente, a necessidade de se regressar a um cristianismo mais humano e humanitário. O movimento dos centros comunitários reflecte a causa que inspirou os primeiros cristãos, que, sem líderes e sem grandes teorizações, traduziam o espírito de Cristo nas acções de natureza social.
Era a partir destes princípios que Addams entendia que não havia “salvação no fim da história” e que, por isso, o que havia a fazer era investir em sólidas acções orientadas para melhorar a vida das pessoas e para a democracia social. E uma delas passava, inquestionavelmente, por transformar e melhorar significativamente a educação e a formação dos cidadãos.

Assim era no século XIX. Assim parece ser no século XXI...

Domingos Fernandes

Universidade de Lisboa

(A primeira parte deste texto foi publicada na PÁGINA nº188, Primavera 2010)


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 190, série II
Outono 2010

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo