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Desigualdades de percurso no Ensino Superior

Foram identificados novos padrões de regularidade nos percursos dos estudantes. Regularidades que incluem tanto as condições estruturais partilhadas como os contextos situacionais e a efectividade da agência pessoal.

O projecto ETES (Os Estudantes e os seus Trajectos no Ensino Superior), coordenado por António Firmino da Costa e por mim próprio, e apoiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, no quadro de um programa específico promovido pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, nasceu de um consórcio entre o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia - Instituto Universitário de Lisboa (CIES-IUL) e o Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (ISFLUP), com o intuito de levar a cabo um estudo de âmbito nacional sobre os factores de sucesso, insucesso e abandono escolar no Ensino Superior, contribuindo para a detecção, transferência e promoção de “boas práticas”, inscrevendo-se na dinâmica de monitorização reflexiva que institui as modernas políticas públicas.
Apesar de tais processos estarem já sob intenso escrutínio da pesquisa científica, nomeadamente aos níveis estrutural e institucional, sabemos ainda pouco sobre as formas através das quais os estudantes apropriam e vivenciam essas dinâmicas estruturais e institucionais.
Desta forma, revelaram-se particularmente úteis as contribuições de Bernard Lahire sobre os modos de estudar e as matrizes de socialização institucional de certos subsistemas de ensino, a par do seu entendimento dos processos de socialização enquanto génese e constituição de disposições plurais, contextuais e sob condição. Assim, a utilização extensiva de uma técnica qualitativa, permitiu-nos recolher e construir 170 retratos sociológicos a partir de entrevistas semi-directivas de cariz biográfico aplicadas a actuais e antigos estudantes do Ensino Superior, através de uma amostra estratificada por variáveis como o resultado formal dos seus percursos escolares até ao momento (sucesso, insucesso, abandono), o subsistema de ensino frequentado (universitário ou politécnico, público ou privado), a área de estudo, o género, a experiência laboral dos estudantes, a classe social de origem e o capital escolar dos pais.
Foi justamente a análise fina destas singularidades sociais que permitiu a descoberta de novos padrões de regularidades nos percursos dos estudantes do Ensino Superior. Mas trata-se agora de regularidades tipos de percursos – que incluem explicitamente tanto as condições estruturais partilhadas como os contextos situacionais diversificados e a efectividade da agência pessoal, nos graus e modalidades variáveis em que ela se manifesta. Nos percursos tendenciais (ou “percursos esperados”) e nos percursos de contratendência (ou “percursos inesperados”), o que está em causa é a congruência ou não – ou, talvez melhor, a confirmação ou não da probabilidade de essa congruência acontecer – entre condições sociais e acção pessoal na construção pelo estudante do seu percurso social e escolar.
As chamadas teorias da reprodução social têm apresentado repetidas análises sobre este tipo de percursos e algumas hipóteses explicativas de como é que eles ocorrem, mas a sua fragilidade teórica maior é assumirem-nos como um pressuposto, de carácter apriorístico, e a sua mais evidente fragilidade empírica é o facto de também se encontrarem na sociedade bastantes percursos de contratendência.
Estes últimos são tão sociais como os outros.
Encontramos igualmente percursos focados na educação protagonizados por estudantes provenientes de famílias de todas as classes sociais e com todos os níveis de escolaridade. O mesmo se pode dizer dos percursos com inflexões. Porém, os primeiros conduzem, praticamente sem excepção, ao sucesso escolar. Já os segundos caracterizam-se, justamente, por não se desenrolarem de maneira directa, podendo envolver as mais variadas combinações de fases, de menor ou maior envolvimento nos estudos, sendo que muitas vezes acabam por desembocar também no completamento dos cursos, mas mais tarde e levando consigo experiências de vida complexas, pontuadas por mudanças muitas vezes radicais.
Finalmente, importa ainda referir percursos com problemas de transição (para a vida adulta, para o Ensino Superior), percursos com dificuldades de conciliação (entre esferas de vida). Por outro lado, percursos com dificuldades de integração no Ensino Superior (institucional e relacional) e percursos com problemas nos modos de estudar. Em conclusão, a análise realizada pretendeu elucidar não só as condições sociais em que os indivíduos se encontram mas também as relações activas desses indivíduos com essas condições sociais. Com as desigualdades no acesso, marcadas pelas distribuições desiguais de recursos estruturalmente constituídas, e com as desigualdades de sucesso, formalmente consignadas pelas instâncias institucionais do Ensino Superior, entrelaçam-se as desigualdades de percurso que podemos identificar numa análise fina dos casos individuais e dos seus contextos sociais.

João Teixeira Lopes

Universidade do Porto


  
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Edição:

Edição N.º 190, série II
Outono 2010

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