Página  >  Edições  >  Edição N.º 190, série II  >  O regresso à grande escala?

O regresso à grande escala?

Independentemente da necessária reorganização da rede escolar e da legítima preocupação com as finanças públicas, é incompreensível a ideologia que nos assegura que a reduzida dimensão das escolas é a variável indutora de abandono e insucesso.

O projecto de escola da Modernidade foi historicamente alicerçado na ideia racionalizadora e produtivista da grande escala, desde Comenius e da sua «Arte universal de ensinar tudo a todos e em todos os lugares», pedagogicamente traduzida pelo ensino em classe, através do qual um professor “ensina a muitos como se fossem um só”. Hoje, porém, a dimensão gigantesca das escolas – semelhante às organizações de grande dimensão criticadas por E. F. Schumacher no seu «Small is Beautiful», por adoptarem “uma idolatria de gigantismo quase universal” – surge quase sempre associada a sistemas educativos de forte selectividade social e a escolas de países pobres, com turmas que, aí, chegam a ultrapassar os 40 alunos. A tão celebrada Finlândia, por sua vez, insiste em escolas de 3º Ciclo com 300 a 400 alunos e escolas secundárias de 400 a 500.
A questão de saber se o tamanho das escolas e das turmas faz a diferença no que concerne ao sucesso educativo permanece controversa, havendo estudos para todas as teses, embora se saiba que o problema afecta de forma diferenciada os alunos provenientes de distintas classes sociais, culturas, etnias, etc. À semelhança, de resto, do que tende a ocorrer com o tipo de professores e a pedagogia praticada, os quais, nunca sendo indiferentes, se revelam mais decisivos no que concerne aos alunos mais afastados da “forma escolar” institucionalizada, ou da “cultura escolar”.
Entre nós, o poder político tem resistido às reivindicações da diminuição do número de alunos por turma, como factor de combate ao abandono e insucesso escolares, sem argumentos pedagogicamente sólidos e não obstante os contraditórios discursos da “diferenciação pedagógica” e da “individualização dos percursos de aprendizagem”. Esta teoria implícita, interpretada por vários observadores à luz da busca de ganhos de escala do ponto de vista da despesa pública, vem sendo adoptada no que se refere à extinção de escolas de pequena dimensão e à criação de agrupamentos de escolas, em curso há vários anos.
Independentemente da necessária reorganização da rede escolar, e da legítima preocupação com as finanças públicas, é incompreensível a nova ideologia que nos assegura que é a reduzida dimensão das escolas a variável indutora de abandono e insucesso, tratando-se de uma correlação grosseira, atomizando as escolas do interior e de meios pequenos e desprezando todo o tipo de dimensões de ordem socioeconómica e cultural. Paradoxalmente, uma forma de compensar meios sociais mais desvitalizados e de menor grau de “educabilidade”, será deslocalizar os alunos e extinguir uma das poucas instituições culturais públicas que ainda ali restam.
O mesmo modelo de racionalização insiste na implantação de grandes centros escolares e, agora, na “agregação de agru pamentos” (Decreto-Lei nº 75/2008), mais conhecidos por mega-agrupamentos. Milhares de alunos de distintos ciclos e geografias, cuja continuidade de percursos escolares é uma falácia conhecida, e cuja partilha de recursos só rara e dificilmente pode ocorrer, com centenas de professores e uma coordenação pedagógica simplesmente impossível em certos casos. Tudo sob a liderança individual do novo “rosto” dos agrupamentos, o director, e respectivo projecto educativo, que ninguém imagina como passará a ser construído.
E tudo, uma vez mais, realizado à margem de uma estratégia associativa-autonómica, de baixo para cima, com tempo e respeito pelas dinâmicas locais. Prefere-se uma lógica política racionalizadoracentralizadora, contra a comunidade e o poder local, contra as cartas educativas aprovadas. Uma vez mais a régua e esquadro, segundo a razão óptima do centro, possivelmente de forma “musculada”, como em 2003, segundo o testemunho público de um director regional de então.
É o centro em movimento demiúrgico sobre as periferias, criando e recriando segundo uma lógica olímpica, como se as escolas fossem simples repartições – como se fossem apenas “unidades” e “subunidades de gestão”, segundo a linguagem do legislador.

Licínio C. Lima

Universidade do Minho


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 190, série II
Outono 2010

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo