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Pragmatismo, educação e democracia: o legado universal de Jane Addams (1)

Em 2003, o Pestalozzianum Research Institute for the History of Educatione o Institute of Educationda Universidade de Zurique organizaram uma conferência em que se relacionou o pragmatismo, a educação e a democracia. A ideia era contribuir para que o pensamento sobre educação fosse mais consistente com a discussão internacional nos domínios das humanidades e das ciências sociais.
Os trabalhos deram origem a um livro – «Pragmatism and Education» – onde se reuniram 11 artigos de nove autores europeus (alemães, suíços e suecos) e de dois norte-americanos. Os autores discutem concepções filosóficas pragmatistas da chamada Escola de Chicago, onde predominaram, entre outros, John Dewey, George Mead e James Tufts, dando voz a perspectivas pouco debatidas sobre educação, ética, política e democracia.
Jane Addams, uma destacada activista social, que veio a receber o prémio Nobel da Paz em 1931, estava associada àquele grupo, sendo considerada uma percursora das práticas pragmatistas. Efectivamente, em 1899, Addams fundou um centro social comunitário, Hull House, onde desenvolveu um intenso e invulgar trabalho pedagógico, social e cultural para crianças e jovens e, em geral, para imigrantes pobres que trabalhavam, em condições inqualificáveis, nos matadouros e nas fábricas dos arredores de Chicago. O trabalho social, político e pedagógico acompanhou Jane Addams ao longo de toda a sua vida e está largamente documentado na literatura («The Education of Jane Addams», Victoria Bissell Brown, University of Pennsylvania Press 2003). Porém, foi o seu trabalho autobiográfico, «Twenty Years At Hull House», publicado em 1910, que acabou por ter um significativo impacto académico, social e político (Penguin Books, 1961).
A reflexão e a discussão teórica sobre o pragmatismo na educação, a teorização acerca do papel dos centros comunitários no desenvolvimento da educação cívica e democrática e o papel e o poder das iniciativas da sociedade civil na educação e na formação dos cidadãos, são exemplos de efeitos das narrativas autobiográficas de Jane Addams. Além disso, o seu trabalho contribuiu para que se compreendesse como o pragmatismo da Escola de Chicago esteve estreitamente associado aos esforços que se fizeram para responder ao caos generalizado, decorrente da imigração massiva e da rápida industrialização, que se vivia naquela cidade nos princípios do século XX – entre 1840-1930, a população urbana de Chicago cresceu 800 vezes, de 4.470 para 3.376.438 habitantes.
Addams, ainda que intuitivamente, parece ter seguido um dos princípios básicos do pragmatismo: aprender é, no essencial, resolver problemas que, uma vez resolvidos, dão origem a novos problemas para resolver. Desta forma, perante o problema real de milhares de crianças, jovens e adultos pobres e iletrados, sem qualquer enquadramento cultural e social, a Hull House procurou garantir que todos se tornassem participantes activos da vida social, política, cultural e económica da sociedade. Os cidadãos e as cidadãs, dizia Addams, não podem ser meras criaturasdas máquinas e, por isso, têm que aprender, têm que estudar, têm que ser escolarizados. A indústria tem que ser humanizada através de uma boa educação geral para todas as crianças e jovens, e o equilíbrio entre a democracia e a indústria não se pode fazer com base na comercialização da escola...
Addams fundou a Hull House acreditando, tal como Dewey, que a democracia não se limitava a um conjunto de procedimentos formais ou a uma via para a sociedade sem classes. Era, antes do mais, uma forma de viver em conjunto, uma experiência de interacção social e de cooperação entre as pessoas. Era, assim, mais do que uma forma de governar. A casa da democracia é a comunidade. É a vizinhança. A democracia tinha uma dimensão e uma função social. E, por isso mesmo, Addams criticava o sistema público de educação, porque apenas se preocupava com a dimensão política da democracia, ignorando e desvalorizando as experiências, as tradições e os valores dos imigrantes.
Para Addams, as experiências do dia-a-dia das pessoas estavam na base da construção da democracia. Consequentemente, a democracia exige que a escola valorize socialmente as experiências das crianças e dos jovens que a frequentam. Democracia e educação são, ou deveriam ser, desígnios indissociáveis das sociedades. Já assim o entendia Jane Addams, nos finais do século XIX...

Domingos Fernandes

iversidade de Lisboa, Instituto de Educação


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

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