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Um país, três sistemas educativos

Uma outra mentalidade política urge, subordinada a três aspectos: necessidade de um novo olhar para a organização social e para as políticas de família; assunção do princípio de que a prioridade primeira da Escola é estar ao serviço do Homem e não ao serviço do Poder; a reinvenção do sistema tem de varrer a centralização que mata a identidade de cada estabelecimento de ensino.

Desde a regionalização do sector educativo na Região Autónoma da Madeira, tem sido evidente uma preocupação política baseada na adaptação da legislação produzida pela Assembleia da República e pelo Governo da República.
Neste pressuposto, nunca foi cumprido o estipulado na alínea o) do Artigo 40.º do Estatuto Político-Administrativo da Região, que considera matéria de interesse específico a “educação pré-escolar, ensino básico, secundário, superior e especial”. A questão que se tem colocado tem sido a interpretação do Artigo 164.º, alínea i), da Constituição da República, que sustenta ser “reserva de competência da Assembleia da República” as designadas “bases do sistema educativo”. Partiu-se, então, do princípio da necessidade de acatamento dos princípios básicos essenciais definidores das grandes linhas orientadoras nacionais.
Por outro lado, na esfera dos poderes da região autónoma, o Artigo 227, n.º 1, alíneas a) e c), da Constituição confere competência legislativa, a definir no respectivo Estatuto: a) legislar no âmbito regional em matérias enunciadas no respectivo estatuto político-administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania; c) desenvolver para o âmbito regional os princípios ou as bases gerais dos regimes jurídicos contidos em lei que a eles se circunscrevam. Daqui decorre a possibilidade de a Assembleia Legislativa da Madeira poder desenvolver a Lei de Bases do Sistema Educativo, embora sem sub- verter os princípios básicos nucleares.
Sustento, assim, que não só é possível como desejável que as regiões autónomas disponham de um Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional que mantenha o quadro de referência constitucional, mas que desenvolva, sem subversão dos respectivos princípios orientadores da Lei de Bases, os aspectos organizacionais do sistema educativo, curriculares e programáticos e demais legislação, aliás, de acordo com o n.º 4 do Artigo 1.º da própria Lei: “O sistema educativo tem por âmbito geográfico a totalidade do território português – Continente e Regiões Autónomas – mas deve ter uma expressão suficientemente flexível e diversificada (…)”, como se extrai do n.º  4 do Artigo 50.º sobre o desenvolvimento curricular.
Neste pressuposto, defendo o princípio de um país, três sistemas. Isso obrigará, certamente, ao desenvolvimento da inovação e da criatividade no quadro da reinvenção do sistema. Reinvenção que acabe com as rotinas burocráticas, com a irresponsabilidade política, a indisciplina e a Escola como mero lugar de convívio. É evidente que apenas a Lei não resolverá as questões de fundo. Uma outra mentalidade política urge, subordinada a três aspectos: primeiro, necessidade de um novo olhar para a organização social e para as políticas de família; segundo, assunção do princípio de que a prioridade primeira da Escola é estar ao serviço do Homem e não ao serviço do Poder; terceiro, a tal reinvenção do sistema tem de varrer a centralização que mata a sadia construção da identidade de cada estabelecimento de ensino.
Não perceber o porquê da desmotivação dos docentes; não compreender que estamos a enfrentar um período marcado pela pobreza e pelo desemprego, que implica que o sistema, obrigatória e universalmente, seja gratuito; admitir que os problemas da educação se resolvem com a aplicação de pensos-rápidos perante uma infecção profunda e provocadora de dor política, económica, cultural e social – é estar, com toda a certeza, a comprometer o futuro. E neste quadro, pela dimensão das regiões, convicto estou que podem constituir-se em laboratórios de excelência educativa.
Basta um olhar pela história dos países do topo do rendimento escolar (PISA); compreender o que significam escolas de pequena dimensão; o efeito multiplicador de cada euro investido na educação; a autonomia pedagógica e a importância da diferenciação; a assunção de um pensamento estratégico autónomo nos domínios organizacional, curricular e programático; como não se avalia a actividade docente; a separação do 2.º do 3.º ciclo do Básico; um outro olhar para a formação inicial, complementar e especializada; a formação profissional dos assistentes operacionais; compreender, entre tantas áreas, como se estrutura o ensino vocacional – bastará isto para entender a importância da reinvenção e descentralização no desenvolvimento do país.

André Escórcio

Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco (Madeira)


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

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