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Bibliotecas escolares: uma realidade em mudança

Desde este ano lectivo, a organização e gestão das bibliotecas escolares estão a cargo de professores bibliotecários “a tempo inteiro”, aos quais compete desenvolver estratégias que garantam a sua rentabilização ao serviço das escolas, dos processos formativos e das aprendizagens dos alunos. A propósito desta “nova” funcionalidade docente, a PÁGINA foi ao encontro do professor Pedro Moura, que trabalha em duas bibliotecas no concelho de Mafra, e cruzou-se com um poeta que vive intensamente os desafios da promoção da leitura e do livro junto de crianças e jovens.

 

JOSÉ FANHA:

Queridas bibliotecas!

Falar de bibliotecas escolares implica falar dos desafios da leitura e do amor pelos livros, duas presenças essenciais no dia-a-dia de José Fanha, arquitecto “não praticante” nascido em 1951, professor, poeta e divulgador de poesia de enorme talento, comunicador por excelência, autor de letras para canções, de histórias para crianças e de textos para televisão, rádio e teatro. Patrono de várias bibliotecas escolares, pintor nas horas vagas e cidadão a tempo inteiro, Fanha alimenta com carinho o blogue queridasbibliotecas e considera que “as bibliotecas escolares estão a polarizar uma nova forma de trabalhar a leitura nas escolas”, constituindo a RBE “um dos instrumentos fundamentais em que pode assentar o desenvolvimento da literacia e da leitura em Portugal”.

 

Que balanço faz do "Queridas Bibliotecas"?

As “queridas bibliotecas” foram uma brincadeira no seu início, uma experiência, uma tentativa de entender como é que se trabalhava um blogue e que impacto tinha. Rapidamente apercebi-me que tinha atraído uma quantidade significativa de pessoas e, de repente, dei comigo a sentir-me responsável por continuar a “alimentar” essas pessoas, muitas vezes sem rosto.

O blogue tem várias facetas...

Em primeiro lugar, trata-se do diário de um cidadão, de um escritor, de um homem que sente necessidade de partilhar reflexões e paixões com os outros. Depois, trata-se de um lugar onde vou guardar/buscar recordações de momentos especiais e de amigos que tenho vindo a cruzar numa vida que tem passado pela canção, pela rádio, pelo teatro, pelo cinema, pela televisão, pelo ensino e pela promoção do livro e da leitura. Finalmente, é onde vou deixando registo da minha passagem por escolas e bibliotecas, constituindo assim uma espécie de diálogo prolongado com os professores e os meninos com que me vou cruzando ao longo do país.

Ser patrono de várias bibliotecas/centros de recursos escolares deve ser um motivo especial de contentamento...

É uma imensa alegria. A minha infância teve lugar na casa da minha avó, cheia de livros e histórias. Para mim, entrar numa biblioteca é regressar à minha casa de pequenino – uma casa calorosa, feita de viagens sem fim, maravilhas, mistérios, grandes amigos saídos de dentro das páginas de cada livro. Ler é indispensável à minha vida, ao meu equilíbrio, à minha relação comigo próprio e com o mundo. Por isso, é fácil perceber a alegria e emoção que tenho por ir acumulando bibliotecas escolares a que tiveram a gentileza de dar o meu nome [EB2,3 da Venda do Pinheiro, EB1 nº 3 do Cacém, EB1 do Olival Basto, EB2,3 de Pombais, EB2,3 Mestre Domingos Saraiva]. De alguma forma, tratar-se-á de um reconhecimento pela minha obra na área infanto-juvenil e pela atitude que tenho procurado manter de cidadão solidário e empenhado na promoção do livro e da leitura.

As bibliotecas escolares portuguesas estão diferentes. Quer comentar?

Muito melhores. Estão a polarizar uma nova forma de trabalhar a leitura nas escolas. Neste momento, a Rede de Bibliotecas Escolares, em conjunto com a Rede de Leitura Pública e o Plano Nacional de Leitura – com todas as críticas que se possam fazer –, constitui um dos instrumentos fundamentais em que pode assentar o desenvolvimento da literacia e da leitura em Portugal e o esforço para ultrapassar as nossas profundas carências neste campo. Há que assinalar, no entanto, a necessidade de envolver as famílias neste processo, e esse é um passo difícil e moroso. Temos, também, de inscrever a leitura nos temas mediáticos e torná-la uma moda. Acima de tudo, é fundamental conseguir que as nossas classes política e empresarial, tão alheias à cultura e a tudo o que diga respeito ao livro e ao pensamento, tornem a leitura um desígnio nacional indispensável ao desenvolvimento social e económico.

Afinal, os jovens e as crianças gostam de poesia? Fale-nos da sua experiência nesta matéria…

Claro que os jovens gostam de poesia! A poesia é a grande forma que os portugueses tiveram de expressar as suas alegrias e tristezas, toda a sua identidade. Creio que o gosto dos jovens pela poesia passa, em grande parte, pela oralidade e pelo desfrute da musicalidade da língua e não pela análise e interpretação dos textos. Quem gosta do que lê, interpreta necessariamente. Quem só interpreta, em muitos casos, não aprende a gostar.

Já agora, uma palavra sobre projectos. O que é que está a preparar neste momento?

Vão sair dois livros, muito brevemente: um de histórias, intitulado «Histórias Para Contar Em Noites De Luar», e outro de História e de histórias, que se chama «Era Uma Vez A República».

 

PEDRO MOURA:

Ainda há muito a fazer, mas estamos no bom caminho

Pedro Moura é professor-bibliotecário em serviço no Agrupamento de Escolas Venda do Pinheiro, no concelho de Mafra. Divide o seu tempo por dois estabelecimentos: Póvoa da Galega e Santo Estêvão das Galés, ambas escolas do 1º Ciclo com jardins-de-infância. Foi à procura de formação e hoje está a fazer um mestrado em regime pós-laboral, exactamente com a temática das bibliotecas escolares. Na sua opinião, o enquadramento legal é “um grande e importante passo para todos. Por um lado, legitima a posição dos professores bibliotecários perante toda a comunidade educativa, por outro, dá-nos mais responsabilidade”.

 

No âmbito das escolas a que estás associado, que balanço fazes da tua actividade como professor-bibliotecário?

O balanço parece-me muito positivo, apesar de ser uma tarefa nova para mim. O facto de conhecer o agrupamento dos dois anos lectivos transactos é um elemento facilitador para a articulação que é necessária entre os professores das turmas de 1º ciclo ou do jardim-de-infância e o professor bibliotecário. Ainda há muito a fazer neste campo, mas, garantidamente, estamos no bom caminho.

 Os professores-bibliotecários têm um enquadramento legal. Sinteticamente, o que é que essa legislação trouxe de novo?

Foi um grande e importante passo para todos. Por um lado, legitima a posição dos professores bibliotecários perante toda a comunidade educativa, por outro, dá-nos mais responsabilidade. Desde logo, a afectação de vários professores bibliotecários a um agrupamento (consoante o número de alunos) com horário completo, faz com que muitas BECRE [bibliotecas escolares/centros de recursos educativos] sejam, hoje em dia, mais valorizadas, dinamizadas de forma mais permanente e constante. Mas no fundo, mais importante que tudo, é que os seus recursos sejam realmente rentabilizados em prol dos alunos.

Trabalhar em bibliotecas escolares dá-te, certamente, uma alegria especial… Queres partilhar connosco essa sensação?

É uma sensação muito boa partilhar com os professores das turmas a formação de todos os alunos e ter a minha quota-parte no seu crescimento como indivíduos conscientes do seu lugar na escola e na sua comunidade.

Como é que os professores em geral encaram o papel das bibliotecas escolares? Aproveitam todas as potencialidades desse espaço?

Mentiria se dissesse que todos os colegas percebem o papel das BECRE na totalidade. Os imensos papéis que são pedidos aos professores, de um modo geral, dificultam a planificação das actividades e a articulação entre os docentes, o que faz com que nem todas as potencialidades das bibliotecas sejam rentabilizadas na íntegra. Uma articulação mais eficiente é, sem dúvida, o desafio maior que os professores enfrentam hoje na relação com a BECRE.

E os encarregados de educação?

O ritmo quotidiano deixa pouco tempo para as famílias acompanharem os educandos como gostariam, e isso também se reflecte na relação com a BECRE. No entanto, sempre que são convidados a participar em actividades lançadas pelas bibliotecas, por norma, aceitam o desafio: em feiras dos livros organizadas pelas escolas, em visitas para relatarem experiências de vida ou dinamizarem contos de histórias, etc. A requisição domiciliária para os meninos de jardim-de-infância reflecte esse envolvimento, pois implica a leitura por parte da família e, ainda por cima, o preenchimento de uma ficha de leitura, o que consome alguns minutos. Os blogues das bibliotecas são elementos divulgadores das acções das BECRE e alguns comentários que são deixados por lá, ou o conhecimento dessas acções pelo que nos apercebemos em conversas informais, são sinais que há muitos pais que estão atentos ao que se passa nas escolas e próximos do que interessa aos alunos.

Já fizemos esta pergunta ao Zé Fanha: as bibliotecas escolares portuguesas estão diferentes, para melhor. Estás de acordo? Queres comentar?

Penso que sim. Antigamente, as bibliotecas eram espaços exíguos e fechados, com livros velhos, pouco atraentes para as crianças e sem computadores. Muitas pessoas que tinham a seu cargo as bibliotecas eram escolhidas porque tinham problemas de saúde. Hoje em dia, essa situação já não se coloca, uma vez que as bibliotecas têm a orientação da Rede das Bibliotecas Escolares e estão a cargo de professores motivados para esta função, que vão tendo pelo menos formação contínua, para que compreendam o que deles se espera, para além do apoio essencial que é dado pelas bibliotecas municipais.

As crianças gostam das bibliotecas? Fala-nos da tua experiência…

É uma grande alegria trabalhar com todas as crianças das escolas, e não só com os meus alunos, e como a quase totalidade das tarefas que lhes são solicitadas são de carácter lúdico – ou de carácter pedagógico, mas com uma envolvência especial, num espaço diferente da sala de aula –, a esmagadora maioria dos alunos adora vir à BECRE. É muito agradável saber que eles estão sempre ansiosos e ávidos da hora semanal em que vêm à biblioteca. O número de requisições domiciliárias prova que os meninos que não têm acesso a livros em suas casas e nas suas famílias estão cada vez mais motivados para a leitura.

Já agora, uma palavra sobre projectos. O que é que estás a preparar neste momento? Ou que projectos queres realçar?

Penso continuar a dinamizar a participação das minhas escolas em projectos E-twinning, que são altamente motivantes para os alunos, e tentar aumentar as percentagens de alunos que sabem pesquisar sobre determinado tema e reconhecem e seleccionam a informação relevante. Se conseguir ainda aumentar, ou contribuir para o aumento das leituras e sua compreensão por parte dos alunos, melhor ainda…

 

VALORIZA A BIBLIOTECA NO DESENVOLVIMENTO DA APRENDIZAGEM

Com o intuito de proporcionar melhores condições para o bom desenvolvimento das actividades das bibliotecas escolares e de institucionalizar o papel do professor bibliotecário, a Portaria n.º 756/2009, de 14 de Julho, veio permitir dotar as escolas de recursos humanos com qualificação adequada e em número suficiente para desenvolver os projectos – com carácter cada vez mais pedagógico – que se exigem às “novas” bibliotecas escolares, valorizando-as como estrutura axial no desenvolvimento das aprendizagens.

Para além das competências técnicas de gestão de recursos físicos e humanos e de informação, a portaria enuncia um alargado conjunto de competências pedagógicas do professor bibliotecário, para as quais é exigido que trabalhe com todas as estruturas do agrupamento/escola, através da participação nos conselhos pedagógicos, de departamento e de docentes, em reuniões informais e também com as famílias e toda a comunidade escolar alargada.

Para coadjuvar os professores bibliotecários, é aconselhada a constituição de equipas, também previstas na portaria, por forma a conseguir um grupo de trabalho multidisciplinar, com valências necessárias para responder às diferentes necessidades relacionadas com as literacias actuais. Destas equipas devem fazer parte auxiliares da acção educativa, sendo recomendável – sobretudo nas escolas com 2.º e 3.º ciclos e/ou Ensino Secundário – que exista, no mínimo, um auxiliar a tempo inteiro, permitindo manter a biblioteca em funcionamento durante todo o período de actividade da escola, no horário mais alargado possível e abrangendo os vários públicos: alunos regulares e alunos dos cursos CEF e EFA, entre outros.

As atribuições dos professores bibliotecários (e equipas) adaptam-se de acordo com diversos factores: tratar-se ou não de um agrupamento, dimensão e dispersão do agrupamento e existência ou não de outros professores bibliotecários na equipa, destacando-se a conveniência de estas questões serem consideradas no regulamento interno ou no regimento.

Os professores bibliotecários devem cumprir 35h semanais (horário a estipular pelo director), distribuídas pelas actividades inerentes às funções de coordenador de biblioteca e prevendo tempos para preparação de actividades e participação em reuniões de vária ordem, internas e externas.

 

José Paulo Oliveira


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

Autoria:

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