Página  >  Edições  >  Edição N.º 188, série II  >  Internet II

Internet II

Um dia, tendo terminado uma palestra no Instituto da Defesa Nacional, saía eu da sala com um enorme livro referente a estratégia. Um general interpelou-me comentando: “Isso é uma arma de arremesso!” Aquilo era um livro, mas também podia (com restrições) ser uma arma! Dependia da idade da pessoa que eu atingisse com o livro.
A internet é, também, como sempre sucedeu ao longo da História, algo que tem múltiplas aplicações. Para o bem e para o mal. Como nota Philippe Breton, apenas uma arma nuclear não tem utilidade, pois o melhor é não a usar! Mas a arma nuclear pode ter sido positiva (se bem que isso pareça incrível). Se os soberanos europeus do Império Austro-Húngaro, o Kaiser alemão ou o czar da Rússia tivessem visto o (seu) próprio futuro, depois da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), provavelmente não teria havido guerra!
Ora, este efeito de bola de crystal apareceu com nitidez a Truman e a todos os líderes políticos que viram os efeitos de Hiroshima e Nagasaki. Essa estranha clarividência foi a chave do fim das grandes guerras, abrindo o caminho às inúmeras pequenas(?) guerras do século XX, guerras por procuração, entre os Estados Unidos da América (EUA) e a União Soviética.
A internet tem a ver com isto? Tem. Ela é fundamental para a prossecução da louca política de deslocalização de unidades produtivas para a China. O e-mail, praticamente sem custos, permite a comunicação em tempo real de ordens e imagens, gerando encomendas que os escravos chineses produzem. Sem esta rapidez, aliada a um incremento nunca visto antes dos transportes marítimos ou aéreos de mercadorias, estaglobalização seria impossível.
Vem isto a propósito do seguinte: alguém ainda duvida do porquê da existência de uma enorme internet paralela? Há inúmeros sites de partilha de ficheiros onde se encontra de tudo. Desde filmes a música e software de todos os tipos. Tais sites remetem para satélites que disponibilizam o material aos que sabem usar essa internet paralela.
Os donos dos direitos de autor não gostam disto. É natural. Mas também não entendo – melhor, não acredito – que as discográficas paguem o que deviam pagar aos herdeiros de cantores já falecidos, por exemplo. Também não se entende como se prejudica Bill Gates, se ele é o homem mais rico do mundo (ou se este ano está em segundo lugar). Pelos vistos, a internet paralela não causou a pobreza nem de Hollywood, nem dos seus ricos actores, nem a ruína dos produtores de software.
Quando nos dizem que devemos pagar por tudo, devemos perguntar se não estarão a exagerar. Os governos dos EUA, da União Europeia, o russo, o japonês e o chinês, todos sabem muito bem do que estou a falar. Existem satélites militares que facilmente inutilizariam os satélites que alojam software dito ilegal (o nome em Inglês é warez). Não o fazem porque convém. É crua esta frase?
E o que dizem os referidos governos dos clones de hardware (por exemplo de telemóveis, relógios ou computadores), feitos na Rússia, Japão ou China? O que dizem e fazem quando mandam os trabalhadores de todo o Ocidente para o desemprego, fechando os olhos ao trabalho escravo ou semi-escravo da Ásia, ao trabalho infantil, ao tráfico de crianças, à venda de órgãos, ao “turismo de saúde”? – quer um rim novo, vá à Índia: é barato e garantido!
Quem nos fala com despudor dos direitos de autor finge esquecer que o Brasil deu um exemplo quando começou, em larga escala, a produção de medicamentos genéricos. Alguma grande indústria farmacêutica faliu?
A internet não é um meio de comunicação social. Ela engloba os próprios meios de comunicação social. Pode ser usada por criminosos (e por certo é). Mas é também, na partilha, um enorme espaço de troca de informações e liberdade. Leia a Wikipedia, escreva, partilhe! Eu faço isso no meu site.

Carlos Mota

Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

Autoria:

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo