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Alain Resnais: o cineasta da memória

Alain Resnais, nascido na Bretanha em 1922, foi sempre apaixonado pela animação e pela BD, tanto que vários dos seus filmes têm influência notória destas artes. Estudou arte dramática durante dois anos, mas a chegada da II Guerra Mundial interrompeu-lhe os estudos. Só no final do conflito passou a dedicar-se ao cinema, começando com curtas-metragens dedicadas às artes plásticas. A sua primeira foi Van Gogh (1948), seguindo-se Gaugin e Guernica (1950). Fez ainda Les Statues Meurent Aussi (1953), sobre a arte africana e a sua apropriação pelo colonialismo – proibido em França durante vários anos –, e Toute la Mémoire du Monde, um percurso poético pelo labirinto da Biblioteca Nacional de França.
Apesar de ser muitas vezes identificado com o nascimento da Nouvelle Vague, Resnais tinha muito pouco contacto com o grupo dos «Cahiers du Cinema». Muito influenciado por Vertigo (1958), de Hitchcock, a sua sensibilidade estética está mais próxima de realizadores como Chris Marker e Agnès Varda, pelo seu amor pelo documentário, do filme como documento literário. Desde La Nuit et le Broulliard (1958) até Providence (1977), usou como argumentistas grandes figuras do meio literário, como Jean Cayrol, Marguerite Duras, Alain Robbe Guillet e David Mercer, na procura de histórias originais que passavam para além do puro naturalismo, entrando directamente no mistério e na poesia.
No número de Novembro de 2009, os Cahiers publicaram uma entrevista com Resnais a propósito da estreia do seu último filme – Les Herbes Folles, estreia em Portugal a 25 de Março – que gostaria de partilhar aqui.
“O nível do cinema de hoje, tenho a impressão, é melhor do que o de antigamente. Há uma tal abundância: 583 filmes saem em Paris por ano. Como escolher? Vou ser mais preciso: não vejo um filme desde 15 de Julho, já não vejo três filmes por semana. E o cinema, para mim, não é forçosamente o de 2009, mas o de 1920. Divirto-me a passear…
(…) Os filmes que vou ver automaticamente são todos os Rohmer, os Rivette, os Varda, os Marker. Gosto também de todos os filmes de Arnaud Desplechin. No cinema asiático, gosto muito de Zhang Yimou. Onde não se pode acusá-lo de ser formalista… Gosto tanto de Viver! como de O Segredo dos Punhais Voadores.
(…) Vejo todos os David Lynch, e às vezes duas vezes. Vi três vezes Mulholland Drive. Fascina-me, mas não poderia dar-vos qualquer razão para tal. É uma questão que se põe: porquê, se as personagens e a intriga não interessam, de repente vamos ter um prazer enorme? O interessante é quando as coisas encantam no sentido mais forte do termo. Como esses momentos de bruma de calor do Verão nas estradas onde há um tremer do asfalto que não tem nada a ver com a paisagem. Quando se produz num filme qualquer coisa que não se pode analisar e que comove, é isso que faz valer a pena filmar um argumento. Há filmes de Frank Borzage ou de Leo McCarey que me podem comover sem eu saber porquê. Por vezes penso que o único género interessante no cinema é a comédia musical. Quando vemos aqueles filmes, temos a certeza que vão passar em três meses. Quem poderia imaginar que os filmes de Fred Astaire ainda hoje seriam vistos? O que se passa lá dentro? Não podemos dizer que é o enredo, as personagens, ou os diálogos. Mas têm um charme...
(…) Continuo a ver as séries; são a concretização do sonho de Erich von Stroheim ou de Abel Gance de fazer filmes muito longos. Acho que Os Sopranos são um único filme. Conheço seis ou sete séries. Gosto muito de Millenium, The Shield e24 Hours, mas esta só a segui até à sexta temporada. Diverti-me muito com Aliasde J.J. Abrams. Por que magia o criador consegue manter uma tal unidade com tantos realizadores diferentes?
(…) Não quero falar do meu próximo filme. Gostava de começar a rodar rapidamente, antes do Verão. Mas, bom, graças ao Santo Oliveira, estamos protegidos.”

Paulo Teixeira de Sousa

Conservatório de Música do Porto


  
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Edição:

Edição N.º 188, série II
Primavera 2010

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