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Balanço possível de quatro anos de legislatura

O QUE PENSAM OS PORTUGUESES

O balanço de uma legislatura não é uma tarefa fácil. E pode resultar numa análise profundamente subjectiva. Sobretudo quando ela incide numa área que – à excepção dos professores, claro - tão pouco interesse desperta nos portugueses como a Educação. Mas foi esse o trabalho a que nos propusemos. Para tal fomos entrevistar alunos e professores às escolas e os cidadão comum à rua. Não nos esquecemos também dos pais, talvez aqueles cujo capital de interesse na matéria deveria ser maior mas que frequentemente o relegam para segundo plano.

 O semblante é descontraído, próprio de quem acabou as aulas e sabe que as férias finalmente se aproximam. Para Pedro Almeida, 17 anos, o ano lectivo foi exigente. Uma “batalha”, como o próprio resume na conversa com o jornalista. “Mas valeu a pena. Consegui ter uma boa média”. A guerra, porém, ainda não acabou. Falta agora fazer os exames nacionais, que, embora não o preocupem sobremaneira, ainda vão exigir algum do seu esforço. “Tenho andado a rever matéria e a preparar-me o melhor que sei. Acho que tudo irá correr bem”, diz, lançando um olhar de confiança à namorada.
Quando o questionámos sobre assuntos mais “sérios”, como o que representava para ele os quatro anos de governação da ministra Maria de Lurdes Rodrigues, torceu o nariz e disse não ter nada a dizer. “Sinceramente não acompanho esses assuntos. Mas por aquilo que fui ouvindo dos ‘profes’ ao longo do ano a situação não esteve pacífica. Houve muitas greves e manifestações...”. Porquê, não sabe ao certo.  
“Sabes alguma coisa do que se passou?”, pergunta à namorada, sentada a seu lado. Joana Teixeira, de 16 anos, esboça um encolher de ombros e reconhece também “não andar a par de política”. Ainda assim, considera que a iniciativa Novas Oportunidades foi uma medida positiva avançada pelo Governo, porque “permite aos jovens encaminharem-se para uma profissão e obterem a certificação de conclusão do secundário”.
Nessa tarde falámos ainda com outro jovem aluno a quem colocámos a mesma questão. Apesar de não ter uma ideia muito concreta sobre o que responder, Bruno Ferreira, de 17 anos, concorda que o Programa Novas Oportunidades veio “abrir portas” para aqueles estudantes que não pretendem ingressar no ensino superior. Além disso, vê com bons olhos o prolongamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano. “Acho que é uma boa medida, porque em Portugal as pessoas precisam de ter mais qualificações. E a única forma de obtê-las é estudando...”.

Professores: sentimento de revolta contida

Embora à primeira vista não tenha transparecido qualquer tipo de denominador comum nas entrevistas que íamos realizando aos professores, concluída a recolha de depoimentos tornou-se evidente que em praticamente todas elas emergia uma atitude de revolta contida e um certo tom de desencantamento. Um sentimento talvez mais evidente nos professores com maior número de anos de carreira, que, pela sua experiência abrangente de tempo passado e presente, sentem que nos últimos quatro algo na sua fortaleza de convicções se desmoronou.
Adélia Pires, 54 anos, professora de Inglês no ensino básico, é um exemplo disso mesmo. Principiando por se recusar a fazer qualquer comentário, aos poucos anuiu a ser entrevistada e desfiou algumas das queixas que pareciam há muito estarem encerradas no seu íntimo.
Convidada a fazer um balanço crítico sobre a legislatura, disse apenas que o último ministro por quem conseguiu ter algum apreço foi Marçal Grilo. “Depois dele, nenhum dos ministros que ocupou a pasta da educação foi digno desse nome. E muito particularmente Maria de Lurdes Rodrigues. Não tenho mais nada a dizer...”. Desculpando-se pelo tom de voz que se havia elevado subitamente, Adélia Pires despede-se com uma expressão própria de quem parece sentir na pele a desilusão de ser actualmente professor.
Quando numa outra escola abordamos três professores que conversavam entre si, bastou referir o tema do trabalho que ali nos levava para reconhecer neles expressões de sarcasmo. Entreolhando-se, parecia que nenhum deles sabia muito bem por onde começar. Mas a vontade de desabafar mostrou-se muita.
“A actuação da senhora ministra constituiu uma afronta aos professores, porque parece ter partido do princípio de que somos todos preguiçosos, incapazes e que não queremos trabalhar. É inadmissível que se trate toda uma classe desta forma”, diz Manuel Faria, 46 anos, professor de História do 3º ciclo do Ensino Básico. “Se pudesse fazer um balanço destes quatro anos diria que foi uma autêntica desilusão”, afirma.
Ao seu lado, Etelvina M., 49 anos, professora de Matemática, mostra-se em concordância com as afirmações do colega e acrescenta não reconhecer em nenhuma das medidas avançadas pelo ministério “melhorias quer para o sistema educativo quer para as condições de trabalho dos professores”. Pelo contrário, acredita que estas conduzirão, a médio prazo, “ao afastamento progressivo da profissão” por parte dos jovens.  
Até ali atenta aos comentários dos colegas, Graça Dias, 56 anos, professora de Ciências Naturais, critica sobretudo aquilo que considera ter sido uma “divisão artificial da carreira” em duas categorias, promovendo a existência de “professores de primeira e de segunda classe”.
Num tom visivelmente irritado, afirma que “nunca na vida pensei que tal viesse a suceder. Foi ir longe de mais”. Julga, por isso, que a actual ministra deixou há muito tempo de ter condições para continuar a exercer o cargo. “Acredito, aliás, que se deveria ter demitido na altura das manifestações nacionais. Em qualquer outro país com verdadeiro sentido democrático isso teria acontecido”.
A uma nova questão lançada pelo jornalista, Faria intervém uma vez mais para afirmar que não vislumbra “qualquer hipótese de mudança no rumo da política” seguida pelo actual Governo. “Com maiores ou menores nuances, o poder político limita-se a seguir directivas que emanam de organismos supracionais”.
Etelvina M. concorda, mas ressalva que a grande diferença reside sobretudo em fazê-las “com os professores ou contra os professores”. E isso, diz, ficou bem visível na “gritante falta de diálogo com os professores e com os sindicatos” – que considera ter sido, afinal, a principal característica na actuação do ME. “E essa não é uma estratégia que dê bons frutos. O que, aliás, ficou bem patente nas manifestações nacionais e locais que foram realizadas, onde a comparência dos professores foi massiva”.
Graça Dias, por seu lado, discorda do colega: “não somos assim tão reféns quanto nos fazem crer. Os Governos nacionais ainda têm margem de manobra suficiente para agirem consoante a sua orientação política”. Mas isso, sublinha, nem é o mais importante. “O fundamental é que em Portugal falta um rumo, uma ideia clara daquilo que se quer para a Educação. E quando é assim não admira que sejamos tão seguidistas em relação a outros países...”.
Impassível no seu discurso, João Tavares Teles, 52 anos, professor de Português do ensino secundário, tem uma opinião pouco em comum com as restantes. “O Governo tinha de implementar reformas difíceis e pouco populares. E, a não ser que sejamos demagógicos, é preciso aceitar esse facto”. Maria de Lurdes Rodrigues, diz, “foi apenas a face dessas mudanças inevitáveis, com todos os defeitos que eventualmente se lhe possa apontar”. E um deles, reconhece, foi a “falta de capacidade de diálogo” com os agentes educativos. “Penso que terá sido sobretudo isso a valer-lhe tanta impopularidade”, conclui, deixando no ar a ideia de que muita dessa imagem foi, no entanto, “construída pela comunicação social”.

“Ministério [da Educação] deveria ser mais actuante”

A PÁGINA foi também ouvir na rua quem já há muito terminou a escola e ingressou no mundo do trabalho. Do conjunto de pessoas que entrevistámos foi difícil encontrar quem tivesse uma opinião formada sobre a actuação da ministra e da sua equipa. Ainda assim, como é o caso de João Andrade, 36 anos, desenhador, há quem saiba que o ano lectivo foi conturbado e que os professores estiveram em pé de guerra com o ministério.
“Ao que julgo saber, foi a questão da avaliação que despoletou a ira dos professores. Sinceramente, não sei de que lado estava a razão. Mas é habitual que quando se tentam fazer reformas, seja qual for a área, haja uma certa resistência”, diz, acrescentando que “a educação é uma das áreas que mais vezes aparece citada nos meios de comunicação social por causa de conflitos laborais”. E isso, na sua opinião, quererá “dizer alguma coisa”. Uma coisa é certa: “é preciso fazer alguma coisa para melhorar os resultados escolares dos alunos, porque é frequente ouvir que Portugal aparece sempre nos últimos lugares por comparação com outros países”. Nessa matéria, assegura, “o ministério deveria ser mais actuante”.
Um pouco mais por dentro do assunto, talvez pela sua condição de funcionária pública, Idalina Soares, 29 anos, técnica da segurança social, sabe por daquilo que vai lendo nos jornais que “o ministério tentou avançar com reformas que não foram bem aceites pelos professores”. Mas, tal como em outras áreas, essas reformas são feitas habitualmente “contra quem trabalha”. Não se admira, por isso, “que os professores tenham razão nos seus argumentos”.
Algumas medidas avançadas pelo ME merecem a sua aprovação. É o caso do Programa Novas Oportunidades, que “permitiu a muitas pessoas melhorarem as suas qualificações”. Quanto ao resto, “parece ir tudo de mal a pior”, já que as notícias “referem inúmeras vezes os sucessivos maus resultados dos alunos”. O balanço, portanto, “não pode deixar de ser globalmente negativo, à semelhança dos outros ministérios”.
Mas há quem tenha uma opinião diferente. Mário Poças, 43 anos, assegura “estar bem informado” sobre o assunto porque lê os jornais e vê televisão. E, na sua opinião, são os docentes quem perde a batalha da credibilidade. “Não há uma única vez que o governo tente passar uma reforma na área da educação que os professores não reclamem. Eles esquecem-se que não podem ser privilegiados relativamente aos outros trabalhadores. E progredir na carreira sem qualquer tipo de avaliação não só não é justo como é um incentivo ao facilitismo...”.
Conflitos laborais à parte, o que nos interessava mesmo era um comentário à actuação global do ministério. E também aí Maria de Lurdes Rodrigues é merecedora de elogios. “Ela tentou implementar reformas que procuraram elevar a qualidade de ensino - que bem precisa, como se vê pelos resultados dos estudantes. Mas isso vai contra os interesses instalados dos professores, que tentam por todos os meios adiar o inevitável”.
Esta série de depoimentos não ficaria completa sem a opinião daqueles que, embora indirectamente, serão também os maiores interessados nas políticas educativas delineadas pelo Ministério da Educação: os pais. Falámos com dois, um pai e uma mãe, para tentar obter uma perspectiva o mais equilibrada possível.
Actor nas horas de trabalho e pai a tempo inteiro, Daniel Pinto, 32 anos, tem uma filha de nove anos a frequentar o 1º ciclo do ensino básico. Apesar de admitir não estar tão atento aos assuntos da educação quanto desejaria, uma das questões que ultimamente mais lhe chamou a atenção foi o modelo de avaliação proposto pelo Governo, que considera “pernicioso”.
“Compreendo, por um lado, que a avaliação possa servir como forma de protecção para a possibilidade de abuso de poder, mas será isso mais importante do que a perda de autoridade do professor, ao ser avaliado por tudo e por todos?”, questiona-se. “Penso que é um precedente perigoso”.
A par desta deslegitimação, “a desmotivação e o cansaço - fruto das lutas sindicais e do combate à burocracia reinante nas escolas – vão também retirando aos professores a energia necessária para que estes cumpram o seu papel: o de incentivar as pequenas mentes e mantê-las despertas de curiosidade”. Neste sentido, e não pretendendo assumir-se como conservador nem acreditando no autoritarismo, Daniel Pinto acha que “é importante o professor recuperar alguma da sua autoridade de pedagogo”.
Outro dos aspectos que critica é a falta de uma política educativa especificamente dirigida à área artística. “Tanto como profissional do palco como pai, sinto que nas escolas não há uma oferta capaz nas áreas da expressão dramática, da expresão plástica e da expressão musical. Quando se sabe, ainda para mais, que a estes professores não é dada a oportunidade de fazer um trabalho continuado, é impossível haver qualquer tipo de evolução na relação de aprendizagem, quer por parte do professor quer dos alunos”.
Assumindo-se atenta ao que a rodeia e crítica quante baste, Sara Moreira, 33 anos, é mãe do Diogo, um miúdo de sete anos que ainda dá os primeiros passos na escola. O cargo de presidente da associação de pais, que só a muito custo consegue manter em paralelo com a sua carreira de designer e a maternidade, oferece-lhe uma oportunidade privilegiada para se ir mantendo a par daquilo que se vai passando nas escolas e das reacções dos professores.
“Penso que nos últimos anos se tem falado pouco de qual deve ser o papel e o objectivo da escola, para se privilegiar assuntos de natureza política e laboral. E isso deve-se em grande parte, na minha opinião, à actuação dos últimos governos – não apenas deste -, que em vez de se preocuparem em dar condições aos professores para que estes possam trabalhar com qualidade e tranquilidade, têm sobretudo procurado impôr reformas sucessivas contra a vontade da maioria da classe”.
Em relação ao actual Governo, o balanço é “mais negativo do que positivo”. De acordo com sara Moreira, “não se pode pretender impor reformas contra a vontade da maioria dos professores. Penso que esse foi o aspecto mais negativo da legislatura”. De positivo, salienta o alargamento dos horários no pré-escolar e o alargamento da oferta curricular no 1º ciclo. “São boas medidas, mas isoladamente não produzem efeito. É preciso pensar o sistema educativo como um todo”.

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

Edição N.º 186, série II
Outono 2009

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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