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A tela substitui o quadro negro

Não virá longe o dia em que a tela substitua nas escolas o quadro negro, chegando a afirmar-se que uma «bobina de película vale mais do que uma prelecção.

Citação datada de 1932, que pode ser lida no preâmbulo do Decreto-lei 20:859 de 4 de Fevereiro. Com este diploma foi criada a Comissão do Cinema Educativo no Ministério da Instrução Pública, com o objectivo de “promover e fomentar nas escolas portuguesas o uso do cinema como meio de ensino e de proporcionar ao público em geral a apreensão fácil de noções úteis das ciências positivas, das artes, das indústrias, da geografia e da história” [Artigo 1º].
Esta visão excessivamente optimista, para a época, da utilização da tecnologia ao serviço do ensino tornou-se realidade no século XXI. O quadro negro está a ser substituído pela tela, não apenas de cinema, mas também a tela/o quadro interactivo onde o texto, as imagens, os sons ganham vida e com os quais podemos interagir. Esta mudança está a acontecer não porque foi publicado um Decreto-lei, mas por um acto político também emanado pelo Governo, o Plano Tecnológico de Educação.
Assim, na era digital em que vivemos e em que o próprio Estado incita o uso das tecnologias da informação e da comunicação, no exercício da actividade profissional dos docentes, e em que devido à evolução tecnológica, se assiste a uma explosão e divulgação de informação escrita e de imagens fixas e em movimento na internet, produzidas não só por máquinas fotográficas, câmaras de vídeo, mas também pelos telemóveis, pelos computadores, os professores têm um grande desafio pela frente para se apropriarem e integrarem estas novas ferramentas digitais ao serviço da prática lectiva, não como um obstáculo, algo que dá mais trabalho, que se torna penoso, mas como um instrumento criador e criativo que possibilita uma melhor organização dos materiais pedagógicos (textos, imagens, filmes, sons) e consequentemente uma maior diversificação de estratégias de apresentação de conteúdos.
Como sabemos, sempre que há mudanças, há pessoas que tentam resistir, que apresentam argumentos contra os avanços. Vejamos a título de exemplo o que aconteceu quando o cinema se tornou sonoro (1927, o ano em que foi realizado o primeiro filme denominado sonoro, The Jazz Singer). Um grupo de realizadores soviéticos, entre os quais destaco Eisenstein, escreveu em 1928 o manifesto «Contraponto Orquestral», que dá conta da tomada de consciência de que os recursos técnicos que os cineastas soviéticos dispunham, não lhes permitiam ter um êxito rápido no caminho do som e de que a coincidência da palavra dita com o movimento dos lábios no ecrã e sobretudo a passagem para o cinema dos dramas da literatura e as tentativas de invasão do teatro no cinema, seriam nefastas para o desenvolvimento e aperfeiçoamento da montagem.
Actualmente, os resistentes à mudança não podem invocar a inexistência de meios tecnológicos, mas sim outro tipo de argumentos: a sua não formação na área das tecnologias da informação e da comunicação e o sentimento de que os alunos as «dominam» e por isso, o seu receio em utilizá-las.
Uma das questões que se coloca então é a de como preparar estes docentes para a escola do século XXI. Através da inclusão, no curriculum da formação inicial, de uma disciplina de Tecnologias da Comunicação, onde as tecnologias de registo da memória, isto é, o cinema e a fotografia também sejam trabalhados, a nível da técnica de produção de imagens e a nível da construção e produção de sentido. E para os professores que já leccionam há muitos anos? Neste caso, a formação contínua tem um papel importante na oferta de acções/oficinas/cursos de formação que poderão colmatar as deficiências de formação neste domínio.
Outra das questões que se põe é a do facilitismo em que se pode cair na utilização de produtos multimédia e hipermédia, na sala de aula e, consequentemente, no voltar ao paradigma organizador do ensino, assente na transmissão de conteúdos, agora não pelo professor, mas pelos produtos multimédia cuja função é a de substituir essa metodologia de ensino.
Acredito que os professores saberão ultrapassar mais este desafio nas suas carreiras, tornando-se agentes criativos e criadores investidos de um papel mais exigente, que lhes demanda o conhecimento não apenas dos saberes específicos do seu campo disciplinar, mas também o conhecimento e domínio das tecnologias digitais, que passarão a usar a tela para estimular os seus alunos a apropriarem-se e a construírem os saberes de forma partilhada e interactiva!

Maria Fátima Nunes


  
Ficha do Artigo
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Edição:

Edição N.º 186, série II
Outono 2009

Autoria:

Maria Fátima Nunes
Centro de Estudos da Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antropologia Visual, Universidade Aberta. nunes.mfatima@gmail.com
Maria Fátima Nunes
Centro de Estudos da Migrações e das Relações Interculturais (CEMRI), Laboratório de Antropologia Visual, Universidade Aberta. nunes.mfatima@gmail.com

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