Ao chegar a Belo Horizonte o taxista que me conduzia ao hotel chamou-me vivamente a atenção para a emissão radiofónica, aumentando ao máximo o volume do aparelho. Tratava-se de mais uma cena de crime. Desta feita, um jovem de 23 anos dirigira-se à oficina onde o pai trabalhava para a destruir com uma granada e assim matar o progenitor. Este, ao ser entrevistado, manifestou total incompreensão pela tresloucada tentativa do filho, felizmente malograda. Perante tal relato, o taxista confessou-me, não sem indignação, que «já não se pode confiar na criação», isto é, na educação inculcada aos filhos. Nem de propósito o congresso em que participei abordou inúmeras vezes esta questão, renomeada de indefinição/redefinição dos papéis educativos tradicionais e da sua normatividade, nomeadamente nas relações entre escola, família e juventude. Alguns estudos analisavam os discursos de jovens favelados, negros e pobres, que pressentiam o medo que os professores exalavam ao entrar nas turmas «perigosas», através de certas posturas e de uma espécie de nervoso olhar oblíquo. Ou as falas de pais que não se entendem com os filhos nem com o seu fracasso na escola, depois de tanto sacrifício para lhes assegurar o que sempre lhes faltou: um espaço-tempo de moratória, desligado temporariamente da esfera do trabalho. Uma das dimensões mais interessantes nestas pesquisas realça a tensa e sobreposta relação entre sobreescolarização e subescolarização: não raras vezes a escola intensifica o trabalho estudantil através da disseminação da velha lógica que está na origem mesmo da sua «crise»: multiplicam-se as «actividades», «clubes» e «projectos», mas em todos perpassa a preocupação de controlar os alunos, de os manter ocupados e se possível calados, exacerbando a projecção unidimensional baseada no saber passivo, hierarquizado e meramente repetitivo, rejeitando os «mundos da vida» por onde os estudantes, que também são jovens, forjam os seus repertórios. Não raras vezes, o excesso de presença da escola coexiste com um processo de escolaridade sem escolarização. Por outras palavras, os alunos limitam-se a habitar a escola, muitas vezes por imposição da obrigatoriedade consignada na lei sem interiorização de qualquer saber-fazer propriamente escolar, o que se traduz em intermitentes e frustrantes ciclos de insucesso, abandono, desistência, retomada e de novo insucesso. Um jovem pobre, em outro relato, confessava que não percebia a utilidade da escola, apesar de a frequentar por insistência feroz da sua mãe que, no entanto, também se revelava incapaz de lhe explicar a pertinência de tal esforço. Parece-me que faltam por aqui nexos de sentido. E já se sabe que os vazios de sentido não ajudam á criação.
João Teixeira Lopes
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