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A Declaração Universal dos Direitos do Homem

Adoptada pela Assembleia Geral das Nações Unidas a 10 de Dezembro de 1948, no período de reordenamento político internacional subsequente ao termo da Segunda Guerra Mundial, a Declaração Universal dos Direitos do Homem só veio a ser incorporada na ordem interna quando publicada no Diário da República a 9 de Março de 1978.
Porquê os Direitos Universais? Porquê a Paz, a Justiça, a Igualdade? São aquisições intrínsecas ao Homem ou são construções utópicas sem futuro?
Os filósofos políticos do século XVII procuraram fundamentar a lei moral, e fizeram-no prosseguindo duas vias: a teológica, em que o fundamento da lei natural reside em Deus, deduzindo da sua obra e vontade revelada a natureza das suas criaturas e as leis a que obedecem; e a ética, tomando como expressão da lei natural a natureza dos homens manifestada em seus comportamentos e inclinações. Do diálogo e síntese destas duas abordagens, na segunda metade do século XVIII Deus acabará por convergir com a natureza e esta com a razão.
Hugo Grotius, precursor do direito natural moderno, na sua obra De iure belli ac pacis (1625), texto fundacional na história da teoria de relações internacionais, questiona a legitimidade dos actos de guerra e reconhece que o fundamento da sociedade humana reside na natureza e na razão. O contemporâneo Thomas Hobbes desenvolveu uma teoria política para o estado, restringindo-se à análise da natureza humana (Elementos de Lei Natural e Política, 1650). E John Locke em Ensaio sobre a Lei Natural (1663) e Dois Tratados de Governo (1690) argumentou que o Direito tem a sua raiz na lei natural e que esta é a lei da razão.
O direito natural, como o conjunto de regras determinadas pela razão em consonância com a lei da natureza, regula a sociedade mediante o exercício da recta razão. A vida, a dignidade e a propriedade são direitos naturais que não podem ser negados a nenhum ser humano. A tolerância fundamenta-se também na liberdade inerente à natureza humana, cada um sendo livre de professar a crença que entender, sem intromissão nem do Estado nem da Igreja. Segundo John Locke, as sociedades constituem-se para justamente garantir esses direitos e não para os limitar. Trata-se de uma concepção filosófica que ultrapassa decididamente a antecedente perspectiva de subordinação do indivíduo a uma ordem superior e que reclama a sua autonomia no quadro da lei natural.
Já no fim século XVIII, o conceito direito natural acabaria substituído pelo de direito humano, designação que surgiu pela primeira vez na obra de Thomas Paine, Direitos do Homem (1791).
O homem tem faculdades e inclinações intrínsecas. Hoje temos como adquirido que a linguagem é uma dessas faculdades inatas, sem que tal contradiga que o desenvolvimento dessa faculdade seja um processo interactivo cultural. A tese de que a linguagem é como um instinto foi elaborada por Noam Chomsky, o primeiro linguista a revelar a sua complexidade, e um dos primeiros obreiros das revoluções contemporâneas nas ciências cognitiva e da linguagem. Anteriormente, as ciências sociais, a linguística em particular, eram dominadas pelo behaviorismo, que ignoravam os processos mentais e a existência de ideias inatas. Chomsky em Syntactic Structures (1957) evidenciou que uma língua não é um repertório de frases, e que o cérebro suporta um programa capaz de construir um número infinito de frases a partir de uma lista finita de palavras. Esse programa chama-se gramática universal. Os seres humanos já nascem dotados com esse "software" linguístico, um conjunto de regras gramaticais comuns a todos os idiomas, pronto a assimilar qualquer língua viva. Esta concepção fundamental, que revolucionou a linguística no século XX, de facto já remonta a Roger Bacon (século XIII), precursor do método científico.
E para Lev Vygotsky, em Pensamento e Linguagem (1934), o exercício da linguagem é a condição mais importante para o desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores (a consciência). A experiência histórica reflecte-se nas formas verbais de comunicação, de tal forma que esse conteúdo histórico é interiorizado na linguagem e a natureza social humana devém igualmente a sua natureza psicológica.
A ideia da linguagem como instinto fora concebida pela primeira vez por Charles Darwin em The Descent of Man (1871). O seu desenvolvimento esteve sujeito à selecção natural e a sua aquisição descriminou positivamente uma superior capacidade de organização social, suportada em sofisticado código de intercomunicação.
Segundo Steven Pinker em The Blank Slate: The Modern Denial of Human Nature (2002), a aprendizagem não é uma alternativa ao inato; sem um mecanismo inato para aprender, a aprendizagem simplesmente não poderia ocorrer; quer dizer, tanto a hereditariedade como o contexto desempenham papéis indispensáveis. Uma criança cresce no Japão e irá falar japonês, mas se crescer na Austrália irá falar inglês; o contexto desempenha um papel determinante no sentido dessa aprendizagem. Nada de comparável sucede com outras espécies, e isso discrimina a espécie humana entre todas as espécies, o que assinala a marca indelével da hereditariedade também. Para Pinker, a universalidade da língua é a primeira razão para presumir que a linguagem não é mero produto cultural, mas também produto de um instinto específico. As invenções culturais variam de uma sociedade para outra, mas a linguagem está presente em todas elas, como instinto inato.
Por isso somos levados a concluir que os Direitos Universais, à semelhança da linguagem, traduzem instintos inatos, que se desenvolvem e consolidam no contexto cultural. A Escola é uma infra-estrutura social que promove a aquisição e competências na língua materna e outras linguagens. Outras instituições sociais facultam o acesso a outras dimensões inatas do ser humano.

Rui Namorado Rosa


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

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