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Vitórias de Pirro

Será possível, hoje, não falar nas convulsões porque passa a Educação em Portugal? Será possível ignorar esta crise com uma dimensão antes nunca vista? Será possível pensar que "o tempo tudo cura" e que daqui a algum tempo tudo entrará nos eixos da normalidade, e tudo se esquecerá? Possível é. Mas é também absurdo.
Precisamos em Portugal de escolas fortes. Fortes nas suas convicções, nas competências dos seus profissionais, na sua capacidade de encarar e lidar com problemas cada vez mais complexos que se lhes colocam. Estas escolas confiantes nos seus recursos são a base da educação do Futuro. Há pouco tempo, um professor aposentado dizia-me que o fundamental para ser um bom professor era "não ter medo". Não ter medo dos alunos, não ter medo de errar, não se apresentar com uma postura defensiva, desconfiada e frágil. "Quem tem medo não ensina, só dá aulas. E más" dizia-me ele...
Assim, são as escolas: precisamos de escolas críticas e reflexivas mas também confiantes naquilo que sabem fazer e no que podem aprender. Escolas sem medo, que se desenvolvam num clima positivo que é o único que pode encubar a aprendizagem (de professores e de alunos).
A questão é pois se a presente crise no sistema educativo apoia ou, pelo contrário, desincentiva o fortalecimento e a confiança das escolas. A resposta parece óbvia: esta crise retira força e confiança à escola. Parece até que a verdadeira intenção das autoridades educativas, sob uma retórica de "descentralização" e de "autonomia", é a de fragilizar as escolas, de as tornar mais dependentes e mais medrosas. Vejamos, como exemplo, o que hoje (20 de Novembro) foi noticiado pela Comunicação Social. O Ministério da Educação pediu aos professores que enviassem por e-mail e para o Ministério os seus objectivos para este ano. Será que li bem? Mas se tratarmos os professores como individualidades, que respondem individualmente perante o Ministério, onde fica então o fortalecimento da comunidade educativa? Onde fica o trabalho cooperativo? E o projecto de Escola? Como se pode defender que a escola tem que se assumir como uma "comunidade de aprendizagem", se os interlocutores são individualidades? Pedir aos professores para serem individualmente responsáveis é, voluntária ou involuntariamente, uma rasteira, um desencorajamento do projecto de fortalecer as escolas.
E com escolas fracas, quaisquer que sejam os resultados, os contornos e as ideias que irão prevalecer, temos um gravíssimo atentado à qualidade da Educação. Não adianta de nada ao Ministério da Educação "ganhar este "braço de ferro" se perder as escolas. Porque quem perde é o país no seu conjunto, país que este Ministério jurou defender. Cito a Bíblia "de que vale ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua alma?". Que se faz para defender, promover, encorajar o desenvolvimento da "alma" nas escolas? Não se vai, certamente, conseguir fazer pela legislação e pela repressão o que não se ganhar pelo convencimento, pelo ideal, pelo projecto e pelo prazer do trabalho bem feito. "Vitória de Pirro" digo eu: ganhar uma batalha mesmo que o exército vencedor sofra perdas horríveis...
Enfraquecer as escolas, isto é retirar-lhes a seriedade de se comprometer, de julgar os seus caminhos e de ser responsável sobre este julgamento, este é este sim, um terrível serviço que se presta à Educação.
E agora que estamos num "Outono de Descontentamento", a suspensão d"A Página da Educação" não nos ajuda a sermos mais optimistas. É que a "Página" contribuía, na modesta empresa das suas possibilidades, para as escolas a serem mais conscientes e mais fortes. Resta-nos desejar que a "Página" regresse renovada, cedo e bem.
É que, (como diz Lobo Antunes), "está a fazer-se cada vez mais tarde..." para manter e desenvolver uma alma nas nossas escolas.

David Rodrigues


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva
David Rodrigues
Universidade Técnica de Lisboa e Coordenador do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva

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