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Educar-se na sociedade de consumidores

O consumismo é o traço definidor da conduta alimentada pela cultura consumista na sociedade de consumidores. Parto dessa afirmação para argumentar que a obsessão pelo consumo, marca registrada da vida nas sociedades orientadas para e pelo mercado, não corresponde a opções fortuitas e isoladas de um sempre crescente contingente de sujeitos abomináveis porque ricos, exibicionistas, esbanjadores e insaciáveis.
Ao invés disso, ela é o centro organizador da ordem social, política, econômica e cultural do presente, e todos nós somos "educados" para e por ela. Na sociedade de consumidores somos constantemente ensinados, segundo os moldes da melhor pedagogia do exercício e do exemplo, a formatar todas as nossas ações rigorosamente dentro de preceitos e táticas que fomentam a realização dos desígnios dessa sociedade. As crianças de hoje nascem dentro da cultura consumista e crescem modelando-se segundo seus padrões e normas. Talvez apenas um pouco menos confortáveis nesta moldagem, os adultos também vão se instalando e conformando em seu interior. De acordo com o veredicto da cultura consumista, afirma Bauman (2008), "os indivíduos que se satisfazem com um conjunto finito de necessidades, guiando-se somente por aquilo que acreditam necessitar, e nunca procuram novas necessidades que poderiam despertar um agradável anseio por satisfação, são consumidores falhos - ou seja, a variedade de proscritos específica da sociedade de consumidores." (p.128)
Para evitar ser "o refugo" dessa sociedade, cada um de seus cidadãos é treinado e se exercita desde o berço. Dentre as incontáveis proezas que aprende a realizar está a desabilitação do passado. Uma fantástica habilidade para reprojetar constantemente os contornos da vida, descartando o passado e embrenhando-se sempre em novas experiências, tão intensas quanto fugazes. Isso se aplica tanto às dimensões materiais da vida quanto às afetivas. Aprendemos a renascer: novas carreiras, novas identidades, novos afetos; e a recomeçar incansavelmente. De fato, a vida na sociedade de consumidores tem pouco a ver com aquisição e posse. O que a distingue, sobretudo, é a condição indispensável de "estar em movimento". Somos inapelavelmente incitados a prosseguir. Permanentemente pressionados a querer mais, ser mais, experimentar mais. Tudo que obstrui ou atrapalha o funcionamento desse circuito vital, deve ser removido, colocado de lado, desabilitado. Desde pequenos somos desencorajados pelas estratégias contemporâneas de marketing a manter ligações duradouras com qualquer tipo de objeto de consumo. Já faz tempo, por exemplo, que a retórica sobre a importância da habilidade para fazer novos amigos ou conquistar novos clientes ou novos relacionamentos se sobrepõe à de manter ou cultivar os antigos. Parece que as commodities - assim designadas por palavra de origem latina cujo sentido inclui o de vantagem e conveniência - produzem prazer e conforto exatamente por ocuparem pouco tempo e pouco espaço em nossas vidas. Aliás, elas nem chegam a se instalar de fato, elas simplesmente transitam. E é a própria sociedade de consumidores que estimula a antecipação do descarte e premia com a reposição constante. O telemóvel (ou a Barbie, o computador, o tênis, a namorada, o emprego) recém adquirido pode ser substituído praticamente sem custos por outro mais novo, aperfeiçoado ou conveniente. Leve o velho à loja e ela mesma se encarregará de livrá-lo desse incômodo do passado. A nova aquisição opera como um renascimento. Essa lógica pautada pelo tempo pontilhado, em que intensidade e instantaneidade substituem a duração e a continuidade, colonizou tanto os relacionamentos como as ações humanas. O mundo dos afetos e o mundo do trabalho foram comodificados, e os próprios consumidores tornaram-se bens de consumo. Na sociedade de consumidores cada sujeito está engajado em práticas de empreendedorismo dedicadas a transformar a si próprio em uma mercadoria vendável, consumível. Não é difícil, assim, entender porque a maior parte das crianças e jovens de hoje ambicionam ser "famosos", que significa ser notado, comentado, desejado. Quer dizer, algo para ser consumido, mais uma commodity da sociedade de consumidores.

Referência
BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo. A transformação das pessoas em mercadorias. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

Marisa Vorraber Costa


  
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Edição:

N.º 184
Ano 17, Dezembro 2008

Autoria:

Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil
Marisa Vorraber Costa
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Luterana do Brasil

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