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"Uma criança morta de fome é uma criança assassinada" afirma sociólogo suíço

O sociólogo suíço e ex-relator da ONU para o direito à alimentação, Jean Ziegler, qualificou a fome no mundo de "crime contra a Humanidade" e criticou energicamente o desenvolvimento dos biocombustíveis e a especulação sobre os preços dos produtos básicos.
"Em 2000, o primeiro objectivo do milénio fixado pelos Estados que constituem a ONU foi o de reduzir a fome estrutural para metade até 2015, mas a catástrofe não cessa de aumentar e afecta 925 milhões de pessoas", salientou Ziegler numa entrevista concedida à AFP por ocasião do Dia Internacional da Alimentação, 16 de Outubro.
"Desde 2000, os Estados mais ricos foram incapazes de destinar 82 mil milhões de dólares anuais durante cinco anos para alcançar os oito objectivos do milénio, em particular o fim das epidemias ou da fome. Mas, paralelamente, desde o começo de Setembro, milhares de milhões de dólares arderam na crise financeira", denunciou o sociólogo suíço.
"Este absurdo contribuirá para fazer aumentar o ódio por parte dos países pobres", advertiu. "Imaginem a repercussão na África, quando pessoas ameaçadas de morrer de fome ouvirem nos seus pequenos rádios que americanos e europeus preferem salvar os seus banqueiros", indignou-se o ex-relator da ONU que, actualmente, é membro do comité consultivo do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
"Está a ser perpetrado um crime contra a Humanidade: uma criança que morre de fome é uma criança assassinada", denunciou.
O Programa Mundial de Alimentos da ONU, que depende da contribuição dos Estados, viu-se obrigado a reduzir as rações para os refugiados de Darfur, entre outras regiões, precisou.
Jean Ziegler, que foi relator especial da ONU para o direito à alimentação entre 2001 e 2008, denunciou que "a tragédia da fome também se viu aumentada devido à explosão dos preços mundiais dos produtos agrícolas", que provocaram motins ligados à fome em 40 países no começo de 2008 e também pelo "desenvolvimento tão maciço como criminoso dos agrocombustíveis".
"O próprio Banco Mundial afirmou que aproximadamente 45 por cento do aumento dos preços dos produtos básicos se deve ao que foi retirado do mercado mundial para os biocombustíveis", informou.
"Para obter 50 litros de etanol para fazer funcionar um automóvel nos Estados Unidos é preciso queimar 358 quilos de milho, o que serviria para alimentar uma criança mexicana durante um ano", assegurou.
Ao mesmo tempo, acrescentou, cerca de 40 por cento dos aumentos dos preços dos produtos básicos devem-se "à especulação dos que fugiram da bolsa financeira no final de 2007 no primeiro pequeno crach e se trasladaram essencialmente para Chicago, onde são fixados de maneira especulativa os preços dos principais produtos agrícolas".
Ziegler diz acreditar que, com a crise financeira, "as pessoas que sofrem no Ocidente vão descobrir subitamente quem é o inimigo", ao qual definiu como "o neoliberalismo, para o qual a eliminação frenética de todas as regulações solucionaria todos os problemas da Humanidade, entre eles a fome".
Segundo Jean Ziegler, "este obscurantismo totalmente desacreditado vai desmoronar, mas infelizmente causará outras vítimas antes de ir parar ao caixote do lixo da História".

José Paulo Serralheiro
AFP


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
AFP
Agence France-Presse
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
AFP
Agence France-Presse

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