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A mentira do neoliberalismo

Dos dinossauros só os ossos ficaram. Os maiores e mais fortes animais que a terra já conheceu desapareceram. A força e o tamanho não lhes serviram para nada. Ao contrário, as lagartixas, suas parentes pobres, escaparam ilesas e assistiram, incrédulas, aos funerais dos primos que mandavam, na Terra. Às lagartixas, por refeição, bastavam umas poucas moscas e umas formigas. Por isso, por aí rastejam e, num abrir e fechar de olhos, desaparecem.
Mas estão vivas, frescas e contentes. Os dinossauros, bocas enormes, estômagos descomunais, corpos gigantescos comiam demais e ocupavam muito espaço ? foram vítimas de uma crise de combustíveis! Há grandes semelhanças entre os dinossauros e os capitalistas. É que, também estes, comem demais e é bem possível que estejam prestes a desaparecer, por diabetes, obesidade e doenças das coronárias. E porque a injustiça social é uma bolha de sabão que vai rebentar, mais tarde ou mais cedo. A teoria do capitalismo de crescimento linear ininterrupto sofre de uma contradição, pois que o crescimento constante quer realizar-se num planeta de recursos limitados. Relação harmoniosa com a natureza é coisa que o capitalismo desconhece. Mas também os povos do Sul vão revoltar-se inevitavelmente, sabendo que uns morrem de fome e outros de comer demais. E não só: porque também os pobres já sabem que, no capitalismo, tudo o que é humano se reduz à quantidade, ao lucro! Embora muitos capitalistas assistam à missa, eles criaram um novo evangelho: "Buscai, em primeiro lugar, o reino do lucro e tudo o mais vos será dado por acréscimo". Karl Marx tinha razão: "A desvalorização do mundo humano aumenta, na razão directa do aumento do valor do mundo das coisas". Para que a quantidade cresça, a qualidade tem de diminuir.
O que fazer, num mundo que a todos nos ameaça, porque nem o rico poderá fugir à revolta da natureza e dos mais pobres? Há que fazer um mundo outro. O neoliberalismo deve ser erradicado da face da Terra. É o próprio Jesus a dizê-lo: "Ninguém põe remendo de pano novo em roupa velha, nem vinho novo em odres velhos". É necessário um recomeço, ou seja, reconstruir a sociedade em alicerces novos. Segundo Thomas Kuhn, muitas vezes o conhecimento científico chega a situações de impasse e, então, é imperioso e urgente uma revolução. Kuhn entendeu que a sua tese alcançava outros domínios, para além da ciência. E por isso escreveu: "Do mesmo modo que as revoluções científicas acontecem quando se consciencializou que o paradigma existente deixou de funcionar de maneira adequada, as revoluções políticas tornam-se necessárias quando cresce um sentimento de que as instituições deixaram de resolver convenientemente os problemas. Só que os instalados, os carreiristas, os exploradores pensam que estão bem e não vêem que há necessidade de fazer o novo e consideram até a criatividade um acto proibido. Eles desconhecem aquela frase célebre de Ernst Bloch que diz: "o que é não pode ser verdade". Mas os ricos, os poderosos não têm alternativa: eles querem que tudo continue como está! A História não regista um único caso no qual o poderoso abdique dos seus interesses. O presente realiza o que lhes convém e portanto a transcendência não lhes interessa. Na tradição religiosa, os demónios não são aceites; são expulsos. Os ídolos não são convertidos; são destruídos. A esperança de um futuro diferente depende da possibilidade de se destruírem ídolos e de se expulsarem os demónios. A terapia é declaradamente ética e política. A mentira do neoliberalismo está aí, à vista de toda a gente! A Bíblia dá-nos, a propósito, a lição que o teólogo Leonardo Boff resume, no último número do Fraternizar: "A economia não se pode independentizar da sociedade, pois a consequência será a destruição da própria ideia de sociedade e de bem comum. O ideal a ser buscado é uma economia do suficiente, para toda a comunidade de vida".
Se bem entendo o que a Bíblia nos ensina, é preciso morrer para o fausto, para o luxo, para o supérfluo, para que possamos renascer para a fraternidade, para a igualdade, para a solidariedade. Crescimento não pode ser sinónimo de exploração, de cegueira pelo ter que se acumula em detrimento dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos. Crescer é, para mim, encontrar a urgência do amor e da justiça, que decorre da mensagem que nos explicita por que Jesus nos amou e por que deu, por nós, a própria vida ? mensagem que, digamo-lo, sem receio, é também de conteúdo verdadeiramente social e político. Eu sei que Jesus é "a forma suprema e insuperável do compromisso de Deus com o mundo e pelo mundo", que não se deixa absorver por qualquer ideologia política, por mais magnânima que ela se apresente. Mas também sei quem são (e têm sido) os defensores de um neoliberalismo que é um perfeito (e pernicioso) logro. No entanto, o grande desafio à solidariedade, no mundo de hoje, não pode limitar-se à condenação do capitalismo neoliberal ? tem também a ver com todos e cada um de nós! De facto, em que espécie de pessoa, em que espécie de gente nos queremos todos transformar? A desigualdade na distribuição do rendimento pressupõe corrupção no coração da política, "rambificação" do entretenimento popular, desinteresse pelo bem-estar do nosso próximo. Há quem, vítima embora da sociedade injusta, também defenda o lucro sem freios e o consumismo. Assim se caminha para a falência civilizacional, para um universo sem valores, para um mundo transformado num centro comercial. Onde os culpados são muitos e... nós!

Manuel Sérgio


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa
Manuel Sérgio
Universidade Técnica de Lisboa

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