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Para além da paixão pela educação...

Há já algum tempo, assistia a um programa de um dos canais da televisão norte-americana em que o anfitrião é o Jay Leno. A determinada altura, já não sei em que contexto, é abordado um dos membros da audiência. Jay Leno pergunta-lhe o que faz; o jovem responde que está a completar os estudos para ser professor; o público, aparentemente de forma espontânea, aplaude. E eu dei imediatamente por mim a pensar quão inesperada era aquela reacção o que é certamente sintomático.
É certamente banal dizer-se que a atitude nacional face aos professores mudou. Poder-se-ia, aliás, dizer-se que as atitudes face à autoridade (a qualquer autoridade) mudaram nas últimas décadas ? e isso é não só um sinal de uma cultura democrática, mas também do questionamento contemporâneo de formas tradicionais de legitimação da autoridade. Em todo o caso, é usual ouvir-se dizer que os professores eram figuras de autoridade relativamente às quais haveria uma atitude quase reverente, enquanto hoje em dia se assistiria a uma desvalorização dos professores, que seriam, assim, responsabilizados pelo suposto fracasso da educação em Portugal.
Desde logo, convém atender aos sinais que contrariam este discurso: lembrar-se-ão, certamente, dos resultados de uma sondagem, efectuada pela Gallup e divulgada em Janeiro passado, que referia os professores como o grupo profissional que mais confiança merece aos portugueses, aliás de forma similar com o que acontecia na Europa Ocidental. Convém lembrar que as escolas são, para a grande maioria dos portugueses, instituições muito familiares com que interagem diariamente e os professores são os interlocutores de muitas das inquietações do quotidiano nesta medida, a confiança não é um resultado surpreendente.
Para além disso, se olharmos para a educação em termos da evolução dos últimos 30 anos, os resultados são francamente positivos. Notem que não o são apenas na educação: na saúde, a taxa de mortalidade infantil, por exemplo, evoluiu de forma absolutamente espantosa; certamente que as empresas portuguesas, em vários domínios, estão hoje incomparavelmente mais avançadas do que há 30 anos. Mas, no domínio da educação, a mudança é igualmente significativa. A taxa de frequência da educação pré-escolar evoluiu de 29%, em 1985, para 78%, em 2005; a percentagem de adolescentes a frequentar o ensino secundário era de 9% em 1977 e de 60% em 2004. Taxas de crescimento análogas poderiam ser referidas quanto à frequência do ensino superior. Dir-me-ão que tudo isto podia ter sido feito com menos desperdício e mais eficácia. Estou disposta a acreditar. Mas acreditem também que tudo isto foi feito com os professores e não apesar deles: ou seja, parte desta evolução deve-se certamente à competência e investimento de muitos profissionais da educação por todo o país que têm assumido como sua a responsabilidade pela educação de muitas crianças e jovens.
O que, confesso, me tem causado alguma inquietação é a forma como os professores se vão sentindo, por estes dias, acossados. Os mesmos professores que foram capazes de uma mobilização política sem precedentes, vão demonstrando um desconforto crescente. São os primeiros a admitir que ser professor é uma profissão desvalorizada, e os primeiros a ficar surpreendidos com os sinais de confiança que parecem merecer dos Portugueses. Não gostaria aqui de diabolizar o Ministério da Educação ou os Sindicatos, embora acredite que ambos têm responsabilidades neste estado de coisas. Mas é tempo de assumirmos que esticar a corda do desconforto dos professores serve de muito pouco a muito poucos. Porque não é da resistência à mudança de que aqui falo, é de um sentimento profundo de incapacidade e de desconfiança que minará não só a qualidade da vida nas escolas como a confiança de que dependemos todos: mães e pais, professores, sindicalistas e autarquias, dirigentes dos departamentos centrais e regionais do Ministério da Educação ? a confiança de que estamos todos mutuamente comprometidos com o projecto de educar as novas gerações.
É por isso que quero saudar todas e todos que, quotidianamente, dão o melhor da sua competência e do seu "colo" (em sentido figurado, naturalmente), compreendendo que a educação de crianças e jovens depende tanto do saber quanto da relação, para promover a aprendizagem. E por isso: obrigada professor Francisco, obrigada professora Elsa, obrigada educadora Marta, obrigada professora Susana, obrigada professora Alexandrina ? (e juro que são mesmo professores e professoras de verdade).

Isabel Menezes


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Isabel Menezes
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
Isabel Menezes
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto

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