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Londres 2012

Os Jogos Olímpicos são o maior espectáculo à escala do Planeta, por isso, todos os países do mundo, sem excepção, sonham com medalhas. Em consequência, as previsões são o mais natural. Desde que o homem se conhece a si próprio, a fim de tentar controlar o futuro, faz previsões e, depois, deseja que elas venham acontecer. O problema é que transformar o entusiasmo dos desejos na realidade das previsões, sem os pés bem assentes na terra, é uma espécie de jogo da roleta russa.
Mais levado pelo entusiasmo do desejo do que pela realidade das previsões, em Novembro de 2004, o Presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP) afirmou à "Revista Olimpo" nº 113: "considerar-me-ia muito defraudado se em Pequim não duplicássemos as medalhas e não aumentássemos o número de diplomas em 50 por cento." Ora, isto significava 6 medalhas e 15 diplomas. Depois, em 2005, mais comedido, assinou um protocolo com o Instituto do Desporto de Portugal (IDP), aonde se comprometeu a ganhar: (a) cinco classificações de pódio (medalhas); (b) doze classificações correspondentes a diplomas (até 8.o lugar); (c) dezoito modalidades desportivas presentes nos Jogos Olímpicos de Pequim 2008. Para o efeito, o COP recebeu do erário público a módica quantia de 14 milhões de euros. Entretanto, em vésperas de partir para Pequim, numa euforia de desejos incontidos, ainda ouvimos o Presidente do COP anunciar uma expectativa de "onze medalhas menos uma", por afastamento do ciclista Sérgio Paulino, envolvido numa enorme confusão relativa a controlos antidoping de que o país ainda aguarda explicações.
Perante a possibilidade de 11 medalhas os portugueses deliraram e os políticos ainda mais. Não há nada melhor do que um bom par de medalhas olímpicas para, momentaneamente, tirar qualquer país da mais complicada depressão. Em conformidade, o ministro da tutela de seu nome Pedro Silva Pereira apressou-se a anunciar que a injecção de 14 milhões de euros aplicada a Pequim (2008), ia ser repetida e reforçada no programa Londres (2012). E, de injecção em injecção, o ministro disse: "Penso que o trabalho de casa foi bem feito ao longo dos últimos quatro anos, e não estão previstas alterações para o próximo ciclo olímpico?"
O problema é que apesar de todos os optimismos, os responsáveis pelo desporto nacional esqueceram-se que o desporto, antes de ser rendimento, medida, recordes, espectáculo, profissionalismo e resultados, é uma actividade sujeita às mais diversas contingências próprias de qualquer actividade humana. Em consequência, de contingência em contingência, no pânico da ausência de medalhas, caiu uma enorme borrasca sobre a caravela portuguesa. E no meio da tempestade dos resultados defraudados, o comandante do COP, possivelmente ao aperceber-se que não há especialistas na roleta russa, perante uma tripulação atónita e um país boquiaberto, anunciou que ia abandonar o barco. Depois, com o barco sem comandante e à deriva, Laurentino Dias o Secretário de Estado do Desporto, tomou conta do leme da nau olímpica, apressando-se a anunciar que ia mudar a rota programada para Londres (2012): "nós só devemos contratar e subscrever aquilo pelo qual somos responsáveis". "Não faria um contrato com essas condições". O tal das cinco medalhas, garantidas.
Em conclusão, o COP não cumpriu um único objectivo a que se propôs ao assinar o protocolo com o IDP. Não ganhou cinco medalhas; não obteve doze diplomas; não se fez representar com 18 modalidades. Para o efeito, recebeu 14 milhões de euros, tendo o presidente do COP garantido ao país que assumiria a responsabilidade caso os objectivos não fossem atingidos. O problema é que a dita responsabilidade em Portugal geralmente morre solteira. Assim, o Presidente do COP, logo que regressou a Lisboa, apressou-se a anunciar que estava na corrida para ganhar o quinto mandato à frente do COP. Afinal, as responsabilidades já não eram dele. Ficámos a saber que se a caravela olímpica foi a pique em Pequim, a culpa agora deve ser imputada aos jornalistas: "Enxovalharam os atletas" disse o homem do leme olímpico. (A Bola, 18-10-08). E disse-o com conhecimento de causa, até porque foi ele o primeiro a, publicamente, exigir-lhes "profissionalismo e o brio", quando a equipa nacional, maioritariamente constituída por atletas amadores, estava a dar o melhor de si!
Entretanto, o grande responsável pelo naufrágio de Pequim não pára de se disponibilizar para assumir as responsabilidades que lhe competem. Desde que sejam terceiros a pagar a factura! Desta feita os jornalistas. Não compreende que não vale a pena assumir qualquer responsabilidade, sem que daí seja capaz de assumir as devidas consequências. E as consequências são as que se sabem. Até porque é urgente começar a programar Londres (2012) a partir das realidades do desporto português e não de inglórios devaneios.

Gustavo Pires


  
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Edição:

N.º 183
Ano 17, Novembro 2008

Autoria:

Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa
Gustavo Pires
Professor na Univ. Técnica de Lisboa

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