A operacionalização, nas escolas portuguesas, das lógicas da eficiência e da eficácia que os discursos e as políticas neoliberais encerram já há longo tempo tem tradução recente no processo de avaliação do desempenho docente. Tal como acontece na sociedade em geral, em que a implementação de múltiplas medidas naquele registo têm conduzido ao aprofundamento das desigualdades, à generalização do medo e à desconfiança nas instituições públicas, também nas escolas se vive um clima global de preocupação e angústia que decorre não só da descrença na justeza, pertinência e contornos formais do modelo de avaliação em questão, como também, e particularmente, das implicações negativas que a implementação do referido modelo já está a ter no desempenho profissional de avaliadores e avaliados. Pensar, organizar e levar à prática o que é essencial nos contextos educativos formais, ou seja, os processos de ensino/aprendizagem e a relação pedagógica que lhes subjaz, parece estar a ser cada vez mais difícil de operacionalizar, pois grande parte, uma excessiva parte do tempo dos educadores e dos professores tem vindo a ser gasta em reuniões e na leitura de documentos que sustentam toda a panóplia de formalismos da avaliação do desempenho docente. Salva-se, de permeio, a competência crítica das crianças, por demais constatada na vida do dia a dia ou nas práticas pedagógicas (assim sejam criadas condições para que ela se desenvolva e se afirme) que, traduzida pela formulação de juízos acutilantes, se constitui como indicador precioso para a necessidade da recuperação ou da manutenção da lucidez profissional, sendo esta entendida, no caso, como desalienação. A propósito, atente-se nas considerações tecidas por algumas crianças relativamente ao comportamento do professor, no âmbito de um trabalho pedagógico realizado no início deste ano lectivo, em que adulto e crianças reflectiram sobre alguns comportamentos indisciplinados em curso: "Neste ano lectivo 2008/2009, o professor anda muito ocupado, cansado e atarefado. Só tem coisas para fazer. [?]" (Carla, 8 anos) "O professor tem andado muito atarefado, a trabalhar e a ir às reuniões da escola de? Depois vem para a escola de? para trabalhar connosco, depois telefonam-lhe a dizer que há reunião hoje [?]." (Sandro, 8 anos) "O professor ultimamente tem estado muito atarefado com as reuniões, anda cansado e anda um bocado doente da garganta por causa de nós. [?]" (Joaquim, 9 anos) "[O professor] também tem estado muito cansado porque tem tido muitos trabalhos pela frente, tem tido muitas reuniões e é por isso que o professor tem estado muito cansado. Vou dar um exemplo: começa o dia, vai para a escola, acaba a escola, vai de seguida para uma reunião, acaba a reunião, às vezes corrige os trabalhos dos exercícios e adormece às vezes à uma da manhã. [?]" (Rui, 9 anos) "Desde o primeiro dia de aulas que o professor tem sido muito exigente connosco. Também tem estado muito cansado porque tem andado muito atarefado, tem tido muitas reuniões no agrupamento. Por isso estes dias tem andado muito cansado. O professor não está só cansado de trabalho, nós também o cansamos." (Igor, 9 anos) Perante estas afirmações, ou que poderíamos intitular de confirmações do que atrás fomos dizendo, não fôssemos correr o risco de sermos acusados de estar a arrebanhar apoiantes para as nossas teses, apetece-nos tecer alguns comentários e lançar algumas questões, ou melhor dizendo provocações. Desde logo, a comprovação de que o Estado da Educação hoje não é uma construção teórica corporativa da classe docente, mas que já extravasou as paredes das salas de professores (e das casas destes, até porque as fronteiras entre estas e aquelas são cada vez mais difíceis de discernir, quer pelo número de horas que os professores passam nas escolas, bem para além do que o seu horário de trabalho indica, quer pelo trabalho que diariamente são obrigados a levar como tpc), e é também claramente visto por aqueles que são os seus clientes (ou serão utentes?!) ? os alunos, as crianças, os jovens. Assim, se tomarmos como válidas as afirmações dos actuais responsáveis do Ministério da Educação de que o objectivo primordial (?!) do conjunto de medidas que lançaram durante o seu mandato (do recorrente encerramento de escolas ao mediático lançamento do Magalhães) é a defesa da Escola Pública e reconhecermos às crianças a capacidade de, enquanto sujeitos sociais, concorrerem para a constituição da sua identidade individual e das identidades colectivas dos mundos sociais em que se inserem, lançamos o desafio à tutela para que recorra à sempre prestimosa colaboração das instituições vocacionadas para a produção de estudos científicos e questione as crianças que frequentam as escolas públicas sobre algumas das mudanças que se verificam no seu dia-a-dia escolar e que, consequentemente, se repercutem no seu quotidiano? que, na verdade, não se esgota nas paredes ou nos muros de uma escola.
Joaquim Marques Rui Pedro Silva
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