Uma verdadeira Revolução Cultural, a abertura das portas da Universidade a todos os maiores de 23 anos
O maior contributo do processo de Bolonha é a possibilidade que dá de qualificar os portugueses. Para além da reestruturação dos cursos, reduzindo as licenciaturas a três anos, e tornando os mestrados e doutoramentos parte do direito à formação de qualquer cidadão, o que Bolonha vai principalmente permitir é aquilo que acontece há mais de quarenta anos em França ou no Reino Unido. Qualquer indivíduo com mais de 23 anos pode candidatar-se a um curso universitário, sendo apenas sujeito a uma entrevista e a provas curriculares e procedimentais mínimas. O que se pretende não é excluir ninguém, mas é abrir as portas das Universidades e do Ensino Superior a todos os portugueses com mais de 23 anos, independentemente das suas qualificações anteriores. É uma verdadeira revolução cultural. A Universidade, que foi o gueto dos professores universitários e o exame "ad hoc", que foi o grande instrumento de exclusão da generalidade da população que não teve oportunidade de concluir estudos secundários, passam a ser o instrumento de qualificação dos portugueses. A entrevista, o teste escrito, repito, não são para excluir. Ninguém tem que mostrar conhecimentos. Esses devem ser depois aprendidos na Universidade. E não se diga que se está a baixar o nível de exigência e de qualificação nas Universidades. Sem dúvida que se exige dos professores uma nova atitude de proximidade relativamente a cada estudante concreto ? provavelmente o que implicará turmas menores e maior recrutamento de docentes universitários ?, mas sobretudo uma revolução na mentalidade dos Portugueses. A classe média, as estruturas intermédias das empresas, todos terão agora oportunidade de ter uma formação universitária, o que, mesmo que não sirva directamente a profissão de cada um, serve sobretudo para lhe amplificar o método, sistematizar a experiência anterior e principalmente melhorar a sua auto-estima. Num país provinciano como o nosso, alimentado pela ruralidade dos lentes de Coimbra, a licenciatura era um objectivo aliás bem caracterizado na "Canção de Lisboa" por Vasco Santana. No imaginário do português rústico, o filho dr. era um degrau no estatuto da família. Ora é exactamente nesta primeira geração de pós-Bolonha que a Universidade vai fazer a diferença. Porque exactamente ao melhorar o estatuto e a auto-estima dos quadros intermédios que podem concluir a sua licenciatura, senão em três anos ? como são estudantes trabalhadores ?, pelo menos em quatro ou cinco, vai ter um impacto decisivo na melhoria da gestão em Portugal e, portanto, da produtividade das empresas e da responsabilidades dos quadros? Com Bolonha, finalmente, o gueto da desqualificação, o gueto da proletarização, o gueto do analfabetismo universitário é ultrapassado, tendo seguramente ao nível da economia, no que respeita à competitividade do factor trabalho, o mesmo alcance que a democratização do acesso ao capital nas Bolsas teve na desmontagem das tensões do Estado capitalista, criando as classes médias. O passo seguinte, aquele que se conseguirá agora, aderindo as Universidades a este processo, abrindo as universidades à formação dos portugueses, acabando com as reservas universitárias, que já não existem há décadas nos países mais desenvolvidos, é o da qualificação. As Universidades, ao darem um diploma, dão um estatuto, coisa que a formação profissional do Fundo Social Europeu não deu, sendo quase e somente um modo de financiar as empresas e subsidiar o trabalho. A oportunidade da qualificação é esta, e, pela primeira vez, as Universidades portuguesas, em vez de darem apenas políticos tacanhos e pouco viajados, têm agora a oportunidade de contribuírem alguma coisa para a formação e qualificação dos portugueses. Este é o choque da formação, o choque universitário, bem mais importante que o choque tecnológico e quaisquer outros choques imaginados ou imagináveis? Com a devida vénia, aqui reproduzo um texto do jornalista Rui Teixeira Santos, absolutamente notável e até ao presente único no seu género e de aplicação ainda mais evidente e urgente na Euro-Região do Norte de Portugal e de que, na opinião oralmente confessada do autor, eu teria tido grande responsabilidade inspiracional.
Fernando dos Santos Neves
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