Nunca eu passara um Agosto tão frio como neste ano de 2008. Pelo menos assim me pareceu. Já os meses anteriores - Julho, Junho - não tinham sido de verdadeiro Verão - talvez de final de Outono ameno ou de começo de uma bonita Primavera. Também me pareceu. Ou seja, não me lembrava de um Verão destes. Mas concedo. Até me apetecia, a mim que sou um friorento dos diabos, começar a propagandear um "Global Cooling", como outros fazem com o "Global Warming". Mas o não o faço. E porque me sinto sempre um pouco defraudado no exercício da minha "Razão" quando faz calor, calor a sério - lá admito -, por, à minha volta, e em particular a omnisciente e omnipotente esfera mediática, invariavelmente nos atirar á cara com o "Global Warming" - eu sei, eu sei, que agora muitos seus apaniguados já mudaram de tom. De facto, verificando que "nós", as pessoas em geral, começámos a não conseguir sentir as tais quenturas do "Global Warming", já falam mais em mudanças climáticas, sobretudo em devastadores tornados tropicais ignorantes que fazem mal à terra do Tio Sam e que aumentam os preços da gasolina. Ainda se os tornados se ficassem por dar preocupações ao regime e ao povo de Cuba! Pois só por isso, só para não querer ter a sensação de estar a incorrer numa irracionalidade simétrica da outra, por um talvez falso pudor meu, é que não me ponho para aí a falar e a teorizar sobre um "Global Cooling". Enquanto isto se passava, nestas "estranhas" condições de meio ambiente para o veraneio, quero dizer, nestas pelo menos "menos boas" condições meteorológicas, até porque soprava com frequência uma nortada forte e bem fresca junto à praias - mesmo por volta do meio do dia e do princípio da tarde sofria-se com frequência um veraneio nada agradável -, arranjei mais tempo que o usual para ler e, em particular, voltei à "A Selva" de Ferreira de Castro[1]. Interessava-me desta vez reler esta obra, cuja acção se passa na Amazónia, sobretudo de um ponto de vista ecológico, mesmo sendo certo que esta palavra nunca é aí referida. Com efeito, pelo texto deste famoso e "clássico" romance - de um autor muito conhecido, e com razão, pela sua preocupação em por a nu a exploração dos trabalhadores e que, por exemplo, na contracapa do livro é assinalado "como precursor do neo-realismo" -, por esse livro, perpassam as passagens mais impressivas que alguma vez li em termos de apresentação de um ecossistema - e logo a selva amazónica em que aquele autor viveu "menino e moço" nos tempos em que a Monarquia foi substituída pela República em Portugal. A páginas tantas, escreve Ferreira de Castro (p 88): "Adivinhava-se a luta desesperada de caules e ramos, ali onde dificilmente se divisava um palmo de chão que não alimentasse vida triunfante. A selva dominava tudo. Não era o segundo reino, era o primeiro em força e categoria, tudo abandonando a um plano secundário". E mais adiante: "A árvore solitária, que borda melancolicamente campos e regatos na Europa, perdia ali a sua graça e romântica sugestão, e, surgindo em brenha inquietante, impunha-se como um inimigo". Ainda: "Nada a assemelhava às últimas florestas do velho mundo, onde o espírito procura enlevo e o corpo frescura; (?)". Assim mesmo. Na selva a árvore solitária surgia como um inimigo! No velho mundo - hoje diríamos, no Norte, no Ocidente - sentia-se a graça da árvore solitária, a sua romântica sugestão, nas nossas florestas o espírito procurava enlevo e o corpo frescura. Frescura, pois - foi por isso que aderimos tão bem à ameaça do "Global Warming", foi por isso que os caminhos da ciência meteorológica se acabaram por afunilar para esta ameaça? É por isso que o nosso sentimento ecológico endeusa o plantar das árvores singulares, uma a uma? Estes e tantos outros exemplos dos entrelaçamentos culturais das nossas percepções com o fazer do conhecimento científico a darem que pensar?
[1] Ferreira de Castro - "A Selva". Lisboa: Guimarães Editores.
Francisco Silva
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