Apresentei já, nesta coluna, algumas críticas ao 1º ciclo da formação de professores e de educadores. No essencial, essas críticas referem-se ao carácter generalista e à ausência de sentido profissionalizante que habilite os licenciados a concorrerem ao mercado de trabalho com uma credencial correspondente à importância do grau. No entanto, este modelo de formação, em dois ciclos, oferece novas oportunidades para a promoção da qualidade e do estatuto docente. Uma das condições é que o 2º ciclo se consolide, como qualquer mestrado, enquanto efectiva especialização e que, nessa condição, a investigação constitua um importante núcleo da formação. O mestrado, como condição para a docência, constitui uma real oportunidade para as instituições de formação (faculdades e, em particular, ESEs) realizarem investigação, o que desde há muito reclamam e que, por falta de condições, dificilmente têm feito. Além disso, podem fazê-lo de acordo com processos que favorecem a qualidade de formação dos estudantes enquanto (futuros) professores/investigadores; a produção e disseminação de conhecimento face às realidades práticas de formação e de desempenho docente; e a afirmação das instituições enquanto potenciais centros de investigação. Pode quebrar-se, assim, a tradicional representação ? nem sempre real - de que a função exclusiva das instituições é preparar professores e educadores de acordo com modelos de ensino reprodutivos. Esta imagem tende a ampliar-se quando estão em análise as Escolas Superiores de Educação. Na actual situação, tendem a diluir-se os elementos que distinguiam os modelos de formação de professores e de educadores nas Universidades e nas ESEs, embora com a óbvia diferença de que as primeiras, por diversas razões, sempre realizaram mais investigação. A qualidade da investigação torna-se assim um factor distintivo de qualidade da formação em que as ESEs têm de investir. Para isso dispõem dos necessários elementos. Os professores, investigadores e estudantes podem capitalizar a sua posição estratégica na intersecção da prática de formação, a intervenção educativa e a componente teórica e reflexiva dos cursos. Além disso, a diversidade do corpo docente representa um capital de ideias gerador de diversas perspectivas de investigação educacional. E qual o lugar do 1º ciclo de formação na construção de uma cultura de investigação nas instituições de FIPE? O primeiro ciclo de formação pode constituir um período para promover atitudes de exigência dos estudantes face ao conhecimento disponível. A licenciatura constitui um contexto para emergência de projectos de investigação relevantes, mas não me parece prioritário o envolvimento dos estudantes desse nível em tais projectos. A sua maioria não sente ainda a relevância da prática de investigação para a sua actividade futura. Como professores a experiência diz-nos que, para tal, lhes faltam as atitudes indispensáveis face ao conhecimento disponível. Prevalece, o efeito dos modos como, no ensino secundário, ele é abordado. Aí é, basicamente, veiculado pelos manuais escolares enquanto coisa feita e curricularmente servida e reproduzida. Serão poucos os professores de cursos de licenciatura que não depararam com trabalhos académico elaborados a partir de informação disponível "nomeadamente na internet " sem qualquer cuidado de selecção, tratamento e, mesmo, de identificação de fontes. Como todos o sabemos, é frequente, na realização desses trabalhos, o recurso à simples técnica de "copy and pass". A investigação ao nível da licenciatura, para além da sensibilização dos estudantes para aspectos teóricos e metodológicos do processo da construção do conhecimento, deve atribuir a maior das prioridade à promoção da exigência pessoal e ética na procura, selecção, tratamento e utilização dos conhecimentos já existentes nos seus domínios da sua formação. O recurso sistemático a artigos científicos que, simultaneamente, proporcionem o acesso aos conhecimentos objecto dos conteúdos curriculares e aos processos seguidos para a sua construção, constitui uma forma de o fazer. A prioridade na exigência pessoal e ética na selecção e utilização dos conhecimentos já existentes, durante a licenciatura, constitui condição indispensável para abordagens mais exigentes do conhecimento - incluindo a investigação - no 2º ciclo de formação. Este é já um grande contributo da licenciatura em Educação Básica para a investigação.
Carlos Cardoso
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