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Criacionismo e evolucionismo

Está a ganhar força e créditos a teoria do criacionismo, nomeadamente nos Estados Unidos da América, onde já foi estipulado ser considerada parte integrante de alguns currículos escolares. O criacionismo, segundo o qual confere à realidade uma autoria que lhe é exterior, leva à crença em entidades divinas e a visão panteístas do mundo. Um ser divino é responsável pela obra da criação. Durante séculos, o criacionismo explicou o mundo e o homem através da religião e de Deus.
A partir do século XVI, com os Descobrimentos portugueses e os novos mundos que eram dados a conhecer, surgiam, igualmente, culturas e ambientes naturais diferentes e diversificados que perturbaram as mentes mais inquietas e ciosas de conhecer, comparar e compreender. Os séculos XVII e XVIII desenvolveram o Renascimento do século XV com a imanência do racionalismo e do espírito das Luzes, que aferiam o mundo e o Homem pelo critério da Razão, enquanto factor de descoberta e certificação da verdade. Na sequência de filósofos alemães como Kant e Hegel desenvolveu-se a dialéctica que Marx soube aplicar a diversos domínios do saber, não só à História, com o materialismo dialéctico, mas igualmente à antropologia e evolução da humanidade. A ciência designada por Pré-História que pretendia compreender os mecanismos essenciais motivadores da evolução, encontra na dialéctica um processo fundamental para interpretar a sucessão dos eventos e o evolucionismo. Com base nas descobertas paleontológicas e arqueológicas, e em articulação com o Darwinismo, com a sua teoria da selecção das espécies, o meio ambiente assume papel central na evolução do hominídeo, desde o símio ao homem actual, relacionando a biologia com o elemento natural, donde terá derivado o fenómeno cultural que diferenciará os homens dos outros animais. Transformações ambientais suscitam no organismo transformações biológicas, ao mesmo tempo que o factor cultural passa igualmente a constituir elemento de transformação e evolução. A título de exemplo, a savana exige uma postura bípede e a repetição geracional dessa necessidade de sobrevivência passa para o código genético que a identifica e a transmite, por sua vez, à descendência. Em termos muito sintéticos, poderemos afirmar que a dialéctica se afirmava no mundo científico, credibilizada por esta interacção inteligível entre biologia, cultura e meio ambiente, enquanto elementos transformadores do processo evolutivo.
O criacionismo actual é cuidadosa e rigorosamente científico. Com isto queremos dizer, haver subjacente uma intencionalidade política nas novas descobertas, ao retirar o papel nuclear do meio ambiente no processo de hominização. Cientistas bem intencionados, principescamente pagos pelo capital, começam a equacionar hipóteses que retornam a um mistério inicial, Deus ou uma enigmática inteligência interna, determinadora e condicionante dos genes da evolução, alterando a ordem dos factores, em relação à anterior dialéctica da evolução. Ou seja, à priori, há características biológicas responsáveis por alterações fundamentais no decurso da evolução, subtraindo ao meio o papel fundamental em todo esse processo. Os modernos criacionistas denominam de lógica intrínseca, aquela que faz das informações genéticas o ponto de partida para o devir da História do Homem. A genética torna-se, desta forma, num argumento poderoso para os criacionistas e por isso mesmo assistimos ao neoliberalismo ? também aí ? a financiar laboratórios de genética que possam comprovar alterações biológicas não só independentes do meio como factores desencadeadores dos grandes passos da evolução. Nestas bases, o criacionismo ganha renovado fôlego para poder sustentar em seguida toda a sorte de teorias que acabem no ser extra-humano, na finitude do homem, na ênfase do sobrenatural sobre o racional e na evocação de um quadro mental condicionador da liberdade primordial do ser humano. Cabe à dialéctica retomar o seu papel fundamental nesta matéria, por intermédio dos cientistas que procuram a verdade, de forma a poder contrapor a supostas lógicas intrínsecas, a convergência de uma diversidade de elementos, biológicos, sociais, culturais, ambientais, que em interacção suscitam os avanços e explicam também os recuos constatados na História do mundo e do homem. Cientistas conscientes que a política informa tudo e todos, e que faz parte integrante do próprio caminho do saber.

Paulo Frederico F. Gonçalves


  
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Edição:

N.º 180
Ano 17, Julho 2008

Autoria:

Paulo Frederico F. Gonçalves
Professor, Porto
Paulo Frederico F. Gonçalves
Professor, Porto

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