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Viver não custa. O que custa é saber ensinar a viver

Para Ana Paula Vieira da Silva, que sabe viver e ensinar a viver

Sem saber como, nascemos. Nascemos sem saber muito bem porquê. Somos resultado da paixão dos nossos adultos. Essa paixão que não permite pensar, apenas agir. Essa paixão que tem, quase sempre como consequência, dar vida. E o caminho ao Gólgota começa. Dizer que viver não custa e, a seguir, referir o caminho ao calvário, parece uma contradição. No entanto, contradição não é. Dizer que viver não custa é já definir esse caminho semeado de espinhos dos preços, dos horários de trabalho prolongados, das esperas imensas de transportes lotados.
De lutar contra a doença, porque o dinheiro descontado, no parco salário, faz falta. Um desconto feito pelos mais poderosos que apenas querem continuar a acumular riquezas com a força de trabalho dos outros. Estes espinhos são inevitáveis. A vida ensina como somos matéria e que essa matéria ou se cansa ou se aborrece ou nem sabe como se entreter. Não é em vão que Alice Miller comenta o que está na citação de nota de rodapé.
É por meio destas ideias de Alice Miller, do abuso que as crianças sofrem ao serem sempre consideradas pessoas cuja dotação intelectual é inferior ao normal, que entendemos finalmente, que viver não custa, o que custa é ensinar a saber viver. Viver não custa desde que se saiba escapar às doenças, entender de economia e gerir o corpo e a inteligência, com diligência e com informação.
Os mais novos aprendem estas ideias e outras, pelo real calvário dos seus pais, esses adultos que são a força de trabalho de uma nação, como já advertia Marcel Mauss em 1924. Ao aprender estas ideias, especialmente a ideias pela qual continuo a lutar de que a religião é a lógica da cultura, como reitero em vários textos, especialmente no texto do seminário de Universidade da Beira Interior, Beira Alta, Em Nome de Deus, é já na catequese que a criança aprende o que é bom e mau. As crianças se exprimirem o que sentem e fizerem como entendem, são punidas. Daí que viver não custa: os adultos guardam os seus pensamentos, incutidos nos mandamentos religiosos, adaptando-os a sua realidade.
É no meio desta contradição que as crianças tentam aprender...
E mais nada digo.
Este texto é apenas um esboço para o livro que preparo com o mesmo título. Texto debatido com Ana Paula, que merece, de longe, este ensaio, porque me ensina e vice-versa.
São saberes em desencontro, entre adultos e crianças, que acabam por se abater nos mais novos. Por esse motivo, ou são punidos... ou são levados ao especialista, sabe Deus, para quê. Normalmente, na má empregue psicanálise que nada adianta. Eis porque viver não custa, o que custa é ensinar a viver no meio das ideias aqui sintetizadas.

 

Gólgota é sempre definido como Calvário, mas não como um Calvário qualquer: Calvário (em aramaico Gólgota) é o nome dado à colina que na época de Cristo ficava fora da cidade de Jerusalém, onde Jesus foi crucificado. Calvaria em latim, ??a???? ??p?? (Kraniou Topos) em grego e Gûlgaltâ em transliteração do aramaico. O termo significa "caveira", referindo-se a uma colina ou platô que contém uma pilha de crânios ou a um acidente geográfico que se assemelha a um crânio.

"a relação psicanalítica, a que chama de "pedagógica", onde o "terapeuta" tem um projecto explícito ou implícito para o seu "paciente" e tudo faz para engajá-lo em sua "verdade" preestabelecida; e, em contraposição, a atitude não-pedagógica, onde o terapeuta tenta criar condições para o desenvolvimento individualizado do "parceiro" daquela "viagem a um País desconhecido que ainda não existe." Em Alice Miller, 1984: MILLER, Alice. Thou Shalt not be Aware: society's betrayal of the child. N.Y., Farrar, Strauss,Giroux,em:http://www.google.pt/search?hl=ptPT&q=Alice+Miler+Thou+shalt+not+be+aware&btnG=Pesquisa+do+Google&meta= traduzido ao luso brasileiro, em 1986, como: O Drama da Criança Bem Dotada: como os pais podem formar (e deformar) a vida emocional dos filhos. Texto que diz: Alice Miller mostra como somos desviados dessa verdadeira natureza humana por um processo educativo alienante e caduco, obrigados a satisfazer exigências explícitas e dissimuladas de nossos pais, para nos sentirmos merecedores do seu amor.

Mauss, Marcel: l'Année Sociologique, seconde série, livro de Press Universitaires de France o PUF, tyexto que pode ser lido todo em : «Essai sur le don.Forme et raison de l'échangedans les sociétés archaïques» (1923-1924) : L'article en format Word 2001 à télécharger.

O Gólgota não é um lugar que faz alguém sorrir toda vez que se passa por ele. Crianças não pedem para brincar lá. Famílias não fazem piqueniques naquele local. Programas infantis não são gravados e nem excursão escolar quer ir para o Gólgota.
Não há beleza naquela parte da cidade. Não se encontra cartão postal sendo vendido pelas ruas e nem turistas querendo fazer uma visita. Nunca nenhum artista fez uma música do tipo; "Cidade maravilhosa...". Mas o que se vê é um lugar sombrio e cheio de pedras.
"Levando a sua própria cruz, ele saiu para o lugar chamado Caveira" (João 19:17). Foi assim que João descreveu aquele momento.
Raúl Iturra; Jornal "a Página" , ano 10, nº 102, Maio 2001, p. 24.

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 180
Ano 17, Julho 2008

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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