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A morte, esse facto social de que ninguém gosta de falar

Para Rosemary Jill Dias e Camila-Felix Iturra Ilsley

A morte é o facto inevitável das nossas vidas. É o facto que causa mágoa aos que ficam e apaga a memória dos que desaparecem. Ou para sempre, ou para os que acreditam em outra vida, como acontece com quase todos os seres humanos, entram na eternidade. Há vários tipos de morte. A morte natural por idade ou doença, a morte que é anunciada ou a que acontece sem que ninguém saiba, nem o próprio, essa denominada morte santa, como a minha amiga pessoal Rosemary Jill Dias. Rosemary que sofreu uma morte física, que entro na eternidade da sua obra e da memória social.
Há a morte que acontece aos pais, ao perderem um filho, como a minha mulher e eu, já lá vão anos, ou a que acontece hoje com o bebé dos nossos filhos, os Iturra Ilsley da Grã-bretanha. Uma morte santa, para salvar o grupo social e os seus pais, da dor eterna perante um bebe, sem capacidade para se autonomizar na vida, essa cruz de vida que os britânicos não aceitam por lei: pretendem cidadãos para doar o seu esforço individual à solidariedade social, morte muito cristã quando acontece a um ser sem essa capacidade. Facto triste para os pais e os seus ascendentes, assim como para os descendentes de Rosemary.
Existem vários tipos de morte. A morte social, esse isolamento para o qual é enviado um ser humano que não é socialmente viável: antigamente acontecia aos doentes, aos velhos, ou aos socialmente denominados desviantes, categoria que está a desaparecer. Há a morte conveniente de quem deixa assim um sítio vago para outros ascenderem, há a morte adequada, essa que acontece a seres humanos que são uma cruz que paralisa a vida de outros. Há a morte dos bons e há a morte dos maus que, quando morrem, a sociedade não quer falar da pessoa que entra, ou não, na eternidade. E, entre outras, há a morte substitutiva, quando desaparece a mãe para trazer ao mundo um descendente, ou a morte adequada dos que são uma designada carga para o Estado, por viverem até muito tarde na vida, sem contribuir para a solidariedade social, outro nome, para a economia que orienta a interacção social, com base no pensamento cultural que define o dever ser, denominado religião. O catecismo romano, o de Lutero, o Alcorão, o Torah e outros, definem o nosso comportamento, orientando no modo de fazer luto e respeitar a memória dos que já não estão. Mas de morte propriamente dita, a maior parte das pessoas nem quer falar. Eu falo. Como Durkheim no seu texto de 1897, O Suicídio[1] entre outros cientistas, ou como o realizador Martin Brest no seu filme de 1998[2]. Falar de morte e preparar o funeral com antecedência, cria um sentimento de calma e paz, familiariza o ser humano com esse inevitável destino, porque, como diz o actor de Joe Black, IRS e Morte, são acontecimentos certos. Com uma grande diferença: do IRS, sabemos qual o dia e o sítio, a morte, é inesperada. Provas do facto são Rosemary Jill e o nosso neto, para imensa tristeza das nossas famílias.
Bem sei que vou ser criticado por falar sobre a morte. Mas desde cedo, os mais pequenos devem-se habituar a ver a vida como um pestanejar social. Tudo o resto, é história da humanidade.
Com amor aos desaparecidos, é com sentimento que penso dever-se incluir nos estudos esta realidade da vida, muito associada ao luto e nada à esperança.

[1] Texto completo em: http://www.google.pt/search?hl=pt-PT&q=%C3%89mile+Durkheim+Les+Classiques+Le+Suicide&btnG=Pesquisa+do+Google&meta
[2] Síntese e cenas em: http://www.imdb.com/title/tt0119643/

Raúl Iturra


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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