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Conselheira Chefe para a Matemática

A posição da Matemática na nossa sociedade (em Portugal ou em qualquer outro país) não é fácil. Todos os alunos têm nalgum momento da sua vida alguma dificuldade com alguma parte da Matemática. Isso é normal. Até Einstein declarou um dia: "Do not worry about your difficulties in mathematics; I can assure you that mine are still greater." (não se preocupe com as suas dificuldades a Matemática; posso assegurar-lhe que as minhas são ainda maiores).
Por outro lado a Matemática apresenta-se como uma ferramenta cada vez mais indispensável nos dias de hoje: diferentes métodos eleitorais, gráficos de todos os tamanhos e feitios, empréstimos irrecusáveis, juros sempre a mudar, cotações caóticas do euro e do petróleo, orçamentos para projectos, tarifas de diferentes operadores de telemóveis ou fornecedores de internet, impostos e deduções, etc., tudo é cada vez mais parte do dia a dia do cidadão comum.
As dificuldades inerentes a uma disciplina como a Matemática em que a viagem constante entre o concreto e o abstracto e a necessidade de construir em cima de conhecimentos anteriores é vital e incontornável, transformam-na numa disciplina única e necessitando de abordagens pedagógicas completamente diferentes de qualquer outra disciplina. E essa é uma mensagem difícil de passar, trazendo dificuldades ao trabalho dos professores de Matemática por não terem as condições necessárias para ensinarem Matemática aos seus alunos. Quantas pessoas (professores ou não) não questionaram já professores de Matemática dizendo que determinado aluno era bom a todas as disciplinas pelo que não poderia ter más notas a Matemática?
Em Inglaterra esta questão foi abordada de uma forma original. Em 2008, Celia Hoyles, professora de Educação Matemática na Universidade de Londres, foi nomeada pelo governo inglês "Chief adviser on maths education" (conselheira chefe para a educação matemática). Durante dois anos ela tentou explicar aos diferentes departamentos governamentais o que era preciso fazer para melhorar o ensino da Matemática em Inglaterra. Numa entrevista dada no início deste ano ao jornal Guardian, disse: "Falei com muitos ministros. Fiz ouvir a voz da matemática nos círculos governamentais. Essa era minha função. Nem consigo dizer quantas conferências dei."
Esta nomeação surgiu na sequência da recomendação de um relatório encomendado pelo governo inglês a Sir Adrian Smith que disse não ter conseguido encontrar no governo um interlocutor para discutir as questões do ensino da Matemática. Diz que encontrou cerca de 25 funcionários públicos com alguma responsabilidade no assunto entre os quais "uma pessoa com um curso de Matemática e uns 14 historiadores".
A consequência mais visível do trabalho de Celia Hoyles foi a criação de um grande instituto nacional dedicado à formação contínua de professores de Matemática que inclui a produção de materiais, a divulgação de iniciativas locais e nacionais e a organização de outras iniciativas que juntam professores numa perspectiva de formação contínua.
Em Portugal bem precisávamos da criação de tal lugar. Há muitas iniciativas interessantes que passam despercebidas e poderiam ser generalizadas, há muitas medidas que se perdem sem ser devidamente avaliadas (como a do desdobramento das aulas de Matemática no secundário) e acabam por ser esquecidas, há muitas necessidades que não são ouvidas pelos responsáveis (nem sequer às vezes as pessoas sabem a quem se dirigir) e quando são tomadas certas decisões importantes o papel delicado da Matemática não é acautelado (por exemplo, na proposta fusão do 1º e 2º ciclos do ensino básico não foram acauteladas as recomendações nacionais e internacionais de reforçar a formação matemática dos professores do 1º e 2º ciclos).
Por isso fica a minha sugestão: crie-se o lugar de Conselheiro(a) Chefe para a Matemática no governo português.

Jaime Carvalho e Silva


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências
Jaime Carvalho e Silva
Univ. de Coimbra, Fac. de Ciências

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