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A educação pode esperar!

- Então, tens tido boas notas?
- Não senhor.
- Não? "Tás" desgraçado! Não te importes. Também chumbei três anos e cheguei a Presidente do Governo...

Vezes sem conta dou comigo a magicar se vale a pena. Invade-me uma sensação de desânimo contrária à minha atitude perante a vida. E cruzo-me com outros que dizem o mesmo, que questionam a lufa-lufa por uma educação melhor, quando olhamos à volta e o registo é o de cada um para seu lado, maquinalmente resolvendo obrigações definidas, todos sem tempo para reflectir, discutir e defender projectos com futuro.
Uns, embrulhados e subjugados em resmas legislativas e de telefone em punho para decifrarem o que a hierarquia quer, outros, rotineiramente, ao toque de uma campainha, a debitar e debitar coisas, muitas vezes desinseridas de escolhas colectivas sobre a construção do futuro comum, como escreveu R. Plant (1992) "sem o sentido da virtude cívica ou da orientação para valores que não tenham unicamente em vista o interesse pessoal e o comportamento do mercado".
Diz Rubem Alves, notável pedagogo, que é preciso desaprender um certo jeito de ser escola. Eu diria, de ser sociedade. Como isso, por ora, não acontece, a luta de anos a pugnar pelo debate, por outros olhares e novos comportamentos, naturalmente esmorece. Mas não morre! As velhas e ultrapassadas estruturas conceptuais, organizativas, curriculares e programáticas, por vezes pintadas de fresco, vão cair e os tais que, por aí andam, por conveniência de vida, sentados em empoeiradas secretárias, terão aí consciência do monumental erro estratégico que cometeram. Simplesmente porque o problema não é, para já, nem de banda larga nem de quadros tecnológicos interactivos. O problema é outro, evidentemente.
Por exemplo, por aqui decorreram os Jogos do Desporto Escolar. Jogos que tiveram a participação de cerca de cinco mil jovens (dizem) durante quatro dias, muito mais do que aqueles que o fazem, regularmente, ao longo do ano lectivo, seleccionados numa população escolar de 41.543 alunos do 2º, 3º ciclos e secundário. Cumpriu-se o ritual. Se foram educativos e portadores de semente a germinar no futuro ninguém sabe dizer. Mas isso também pouco importa, porque o que verdadeiramente interessa é a imagem da Madeira no exterior, a competição nacional e internacional, a aposta na visibilidade, mesmo que isso, em tempo de vacas magras, custe os olhos da cara. Só em 2007, foram atribuídos ao associativismo desportivo ¤ 34.321.971,00, enquanto o desporto escolar cancelou actividades por falta de apoio. Mas o Marítimo estará na Taça UEFA de futebol e a Madeira terá quatro atletas nos JO de Beijing. Chega. Dos outros 77% não praticantes não falará a história e a Educação pode esperar!
Parafraseando José Paulo Serralheiro, no seu último artigo aqui publicado, os políticos, quais galos e galinhas, empoleirados, de crista bem levantada, deambulam e cacarejam também pelo cercado desta Região, incapazes de oferecerem uma nova ordem ao galinheiro. Bem pelo contrário. A prova está no galo de crista maior quando, em Câmara de Lobos, um concelho com problemas sociais múltiplos, tem este diálogo com um adolescente que aguardava o Presidente da República:
- Então, tens tido boas notas?
- Não senhor.
- Não? "Tás" desgraçado! Não te importes. Também chumbei três anos e cheguei a Presidente do Governo...
Achando piada, os presentes riram-se da graça de mau gosto. Simplesmente porque com a Educação não se deve brincar. É assunto muito sério. Mas quando, dias depois, no decorrer de uma inauguração de uma escola, frente a dezenas de crianças e docentes, ouço a mesma personagem falar de "plano de operações", "armada", "contra-ataque", "ataque feroz", levar o adversário a "perder a cabeça" (a propósito das eleições internas do seu partido), tudo expressões com cheiro a pólvora, muito pouco educativas para uma cerimónia escolar, paradoxalmente, num tempo que exige medidas preventivas contra a indisciplina e violência, uma boa preparação cívica e o fomento do estudo no sentido da preparação para os complexos desafios que aí estão ao virar da esquina, resta-me dizer que não só não dão uma nova ordem ao galinheiro, como não sabem aproveitar os momentos para assumir uma conveniente atitude política e pedagógica. O que fazer?

André Escórcio


  
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Edição:

N.º 179
Ano 17, Junho 2008

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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