FÓRUM SOBRE EDUCAÇÃO NA GUINÉ-BISSAU
Num encontro nacional sobre educação realizado recentemente em Bissau reflectiu-se sobre o sistema educativo guineense e retomou-se um discurso que coloca o Estado como actor central, a par das iniciativas da sociedade civil.
Bissau acolheu em Fevereiro um Fórum sobre Educação, uma das mais importantes iniciativas do género realizada até hoje na antiga colónia portuguesa. A ideia da realização do encontro, que teve lugar no Centro Cultural Português, surgiu da vontade de debater publicamente questões relacionadas com a educação no país manifestada por duas entidades: o Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE), organismo estatal guineense, e a Fundação Evangelização e Culturas (FEC), instituição portuguesa que tem desenvolvido nos últimos anos actividade na Guiné. A estas duas entidades juntou-se, ainda, o Instituto Camões. O encontro reuniu significativo número de participantes, instituições e outros actores ligados ao sector da educação. As comunicações representaram oportunidades de balanço da actividade realizada, divulgando ao mesmo tempo projectos em curso e submetendo a escrutínio público estratégias e ideias sobre a educação na Guiné e em África. O contexto geral da iniciativa é o de uma crescente procura de educação na Guiné, quando se constata uma deficiente resposta do Estado relativamente às necessidades educativas do país. A oferta educativa oficial não reflecte as aspirações da população, o que justifica a iniciativa de várias comunidades, especialmente no interior, na criação de escolas, recebendo frequentemente apoio de organizações não governamentais a operar na Guiné-Bissau. Perante tal quadro, as razões subjacentes à realização do Fórum sobre Educação foram sintetizadas em três pontos, assim expressos pela organização: " 1) conhecer as instituições que trabalham no sector da educação, os locais e o modo como actuam; 2) partilhar experiências bem sucedidas, que possam ser multiplicadas e adaptadas; 3) responder ao interesse manifestado por algumas pessoas e instituições em 'nos sentarmos à mesma mesa para falar sobre questões ligadas à educação'". Em foco estiveram questões específicas como o papel da educação no desenvolvimento da Guiné-Bissau, os diferentes modelos de estabelecimentos de ensino no país, o papel da sociedade civil na promoção da educação e as experiências de formação em serviço de docentes (área de envolvimento da FEC).
Críticas ao Estado
Entre os participantes estavam representantes de ONGs envolvidas na educação básica e na formação de professores (FEC, PLAN, AD, SNV), assim como de escolas comunitárias, populares e de iniciativa de associações de imigrantes manjacos, e de instituições como o Banco Mundial e a UNICEF. As intervenções de ex-ministros da educação guineenses proporcionaram momentos particulares de reflexão sobre decisões políticas que marcaram a realidade educativa desde a independência. A intervenção do Ministro da Educação guineense começou por exprimir a expectativa que o debate destas questões pudesse contribuir para o trabalho de reformulação da Lei de Bases do Sistema Nacional de Educação e do estatuto da carreira docente. O tom geral das intervenções pode resumir-se como de severa crítica ao Estado guineense pela desresponsabilização e (quase) ausência do sector educativo, e pela falta de cumprimento de acordos firmados com as comunidades. Intervenções de professores das escolas comunitárias salientaram os recorrentes atrasos no pagamento de salários e a falta de recursos e condições materiais. Aqui, como noutras intervenções, sobrevive um discurso que mantém o Estado como responsável pela oferta educativa, designadamente no ensino básico. Uma boa parte das críticas à inoperância estatal, ou às políticas educativas oficiais, veio, curiosamente, de ex-responsáveis governativos. Os antigos ministros da educação presentes fizeram uma (auto-)crítica das más políticas dos governos a que pertenceram. A grande maioria repetiu a substância dos discursos mais ou menos consensuais que circulam nos documentos das organizações internacionais, glosando estratégias e desejos como os consagrados nos chamados Objectivos do Milénio. Uma séria ruptura discursiva viria do ex-ministro Fernando Delfim Silva, que sublinhou que a ambição da educação não foi acompanhada na Guiné-Bissau pela ambição do desenvolvimento. Traduzindo, a economia do país, tal como está a ser concebida, ou simplesmente a acontecer, "não precisa da educação", e por conseguinte, "o esforço que está a acontecer na educação não tem correspondência na economia". É uma perspectiva que implica a ideia de que a definição de um modelo de desenvolvimento tem que anteceder qualquer política de educação e que os condicionamentos estruturais não podem ser ignorados pelos decisores de políticas educativas. Em síntese, como assinalou o ex-ministro, "o problema da educação está fora da educação". Nos dois próximos números deste jornal, daremos conta de outras questões suscitadas por este evento.
Humberto Lopes
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