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Techno-Imagens Juvenis

"Tanto a pele quanto as paredes são parte integrante e interna/externa do corpo. Ambas são pós-orgânicas. Por isso todas as coisas vestidas sobre a pele [inclusive o celular] ou penduradas nas paredes [...] contribuem para fazer parte de um novo sentido de identidade: uma identidade móvel..." (CANEVACCI, 2005, p. 34)

Em meio a tantas inquietações que atravessam os fazeres e os pensares dos que atuam no campo educacional, especialmente nos arredores do que se convencionou nomear de "os desafios da educação contemporânea", uma vem ganhando recente destaque.
Falo das pesquisas acerca das culturas juvenis e suas potencialidades que se intensificam no próprio desamparo em relação aos saberes disciplinares. É neste momento que podemos flagrar seu papel protagonista, quando no cerne da sua própria ação, encontramos a denúncia da impossibilidade de seu assujeitamento à forças, que só fazem sentido para elas mesmas e para a manutenção da sua nefasta e higiênica ingenuidade civilizatória.
Foucault, ao estudar o "sujeito moderno" em As palavras e as coisas foi autor de uma reviravolta epistemológica, quando tirou o sujeito de sua centralidade criadora, própria do Iluminismo. O sujeito moderno não seria um produtor de saberes (aqui entendidos como aquelas cientifizações amparadas pela verdade), mas sim, produzido pelos saberes. Mesmo simpático e entusiasta de tal idéia, proponho um atravessamento indisciplinado por criações e apropriações juvenis que de fato anunciam seu não-assujeitamento a tais saberes.
Foi durante os encontros que tenho semanalmente na ONG Casa das Artes no Morro dos Macacos ? subúrbio do Rio de Janeiro, que de maneira completamente imprevisível e rebelde, o cotidiano proporcionou a erupção de três fotografias, cujos autores são os próprios jovens. Será por meio delas que sugerirei, humildemente, uma interpretação, que desde já anuncio, jamais terá a prepotência de se dizer única ou até mesmo transcendentalmente verdadeira, ou seja, será apenas mais um entre os nós frouxos que compõem nossa tecelagem de conhecimentos.
Reuni estas três fotos por, em conversa com a idéia de juventude expressa por Canevacci (2005) (muito menos evidenciada pelo seu caráter etário que por sua ativa inquietação), abordarem de uma maneira muito mais orgânica que cientificista a relação entre o "se fazer visto" próprio do jovem demasiado humano[1], e as novas tecnologias que cada vez mais se confundem entre o externo e o interno corpóreo, tomando proporções pós-orgânicas. As imagens que seguem estão exatamente neste (des)limite do conhecimento apropriado com tanta propriedade pela juventude, mas que a escola ainda encara como um ambiente de difícil atuação, quando não de intenso conflito. Falamos mais precisamente sobre a crescente incorporação do celular no cotidiano de uma juventude, que não o encara como insípida ferramenta comunicacional, mas sim como mais um elemento estético no processo composicional identitário, que se potencializa no próprio momento em que se assume plural, sincrético e fluido. Sendo assim, as tentativas de oxidação por parte da escola em prol de uma utilização positivista e funcionalista de um celular completamente exterior ao corpo jovem estarão sempre destinadas ao fracassado e utópico mundo da civilidade improdutiva.
Nesta primeira imagem, o celular pode perigosamente tomar o corpo daquelas tarjas pretas que tanto protegem como seqüestram a identidade de um menor em páginas jornalísticas. Porém, antevejo mais uma atravessamento de olhares que viabilizados pelo orifício câmera em contato direto com o rosto, tornam-se máscaras possibilitadoras de novas atuações de todo modo imprevisíveis. Máscara que capta, que registra e faz memória.
Já nesta segunda imagem, o celular se corporifica de fato ao não substituir a mão, mas sim tornar-se o híbrido mão-celular que interliga os corpos. Aqui, o interligar não tem nada a ver com saber o número de telefone de cada um, mas sim com a potente utilização estética do celular. Potência evidente quando se verifica a quantidade de watts cada vez maior na fabricação de suas caixas de som externas. Mais uma vez o "se fazer visto/ouvido", desta vez na sonoridade-musicalidade.
Finalizando, esta imagem diminui ou elimina a distancia entre as ações da mente juvenil e sua carnal relação com novas-tecnologias, que ganham belos olhos e narizes (percebam o reflexo no painel) na medida em que são muito mais tomadas de assalto pelas ações imprevisíveis da juventude do que manipuladoras de idéias e atitudes, como alguns ainda cismam em acreditar. De fato, a juventude destes já deve ter valor arqueológico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

  • CANEVACCI, Massimo. Culturas eXtremas: mutações juvenis nos corpos das metrópoles. Tradução de Alba Olmi. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. 
  • FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

[1] Uma clara referência à obra de Nietzsche ? Humano, demasiadamente humano.

Gustavo Coelho


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

Gustavo Coelho
Formado em Comunicação Social (pela UERJ) e em Musica Popular Brasileira (pela UFERJ). Membro do Grupo de Pesquisa: «Cultura e Cotidiano Escolar», na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Gustavo Coelho
Formado em Comunicação Social (pela UERJ) e em Musica Popular Brasileira (pela UFERJ). Membro do Grupo de Pesquisa: «Cultura e Cotidiano Escolar», na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

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