Conservatório de música do Porto
Das cinco escolas especializadas no ensino artístico da música existentes em Portugal, o Conservatório de Música do Porto (CMP) é o que está mais avançado no seu processo de reestruturação interno. Nesta entrevista, Moreira Jorge, presidente do conselho executivo, revela as principais linhas que orientam o futuro projecto educativo do CMP e comenta outras questões que marcam o ensino da música em Portugal, nomeadamente a que se refere à articulação entre o ensino artístico especializado e o ensino regular.
Os conservatórios de música portugueses estão a atravessar uma fase de reestruturação. Quais são as principais mudanças em curso?
De facto, ao longo dos últimos anos foi-se verificando a necessidade de reformar o modelo de funcionamento dos conservatórios de música. Isto, porque na prática eles se encontravam à margem do sistema, não possuindo legislação própria, fazendo com que tivessem de se adaptar à legislação do ensino regular que, muitas vezes, não se adaptava à sua realidade. Ou seja, de certa forma não estávamos nem dentro nem fora do sistema educativo. Em 2007 a Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa conduziu um estudo de avaliação que serviu de base à actual reestruturação. Este estudo, no entanto, ficou marcado pela polémica. Nos diversos pareceres que emitiram, os conservatórios de música do país discordaram claramente de alguns aspectos dessa avaliação, nomeadamente a referência à existência de insucesso escolar.
Essa ideia tem algum fundo de verdade?
Os conservatórios de música têm, de facto, um problema em torno das certificações, mas ele não deve ser lido de forma alguma como insucesso escolar. Porque mesmo não concluindo o curso em termos de diploma, os alunos saem com competências para o prosseguimento de estudos, tal como os do ensino regular. Por uma razão ou outra, que se prende por vezes até com uma carga horária mal articulada entre as escolas, isto é interpretado como insucesso e abandono escolar. Mas, tal como estava a explicar, em Julho de 2007, após a apresentação do referido relatório, cada conservatório apresentou a sua proposta de reorganização, tendo sido criado um grupo de trabalho cuja missão era estudar essas propostas. Em 15 de Janeiro último tivemos uma reunião com a tutela que definiu o arranque da segunda fase de concretização deste processo. O nosso projecto já recebeu luz verde da tutela para avançar. Há escolas que seguiram outras estratégias, os ritmos foram diferentes.
Quais são as principais linhas do novo projecto educativo do Conservatório de Música do Porto?
Não se pode falar, para já, da existência de um projecto educativo, mas sim de um projecto de reorganização. No entanto, posso adiantar que a principal novidade, e que constitui uma assinalável melhoria em relação ao anteriormente existente, é o alargamento e diversificação da oferta educativa. Assim, a par da manutenção do regime articulado e do regime supletivo, o conservatório irá passar a oferecer um regime de ensino integrado, permitindo não só que os alunos possam fazer a sua formação integral nas instalações do conservatório, como também iniciá-la a partir do 1º ciclo de escolaridade ? até agora limitada ao quinto ano de escolaridade ?, proporcionando uma oferta de ensino especializado vertical do primeiro ciclo até ao final do secundário. Isto possibilitará também que não haja necessidade de qualquer opção precoce. Se quiser prosseguir estudos noutra área pode fazê-lo, mas o curso básico de música já ninguém lho tira, obtendo, por assim dizer, uma dupla certificação.
Qual é o seu comentário à proposta avançada pelo Ministério da Educação?
O aspecto mais positivo foi talvez o facto de não ter sido um documento fechado, isto é, de não ter havido uma solução imposta igual para todos e de se ter dado a oportunidade a cada escola de desenhar o seu próprio projecto. De resto, a proposta que nos foi trazida pela equipa do ministério não se enquadrava no nosso projecto. Nós é que conhecemos a escola, sabemos o meio em que estamos inseridos, a população que servimos, as instalações de que vamos dispor.
As novas instalações do conservatório vão ficar localizadas numa das alas da escola secundária Rodrigues de Freitas. Essa solução vai de encontro ao projecto que foi delineado?
Sim, porque será dotada de um edifício novo com todos os equipamentos que são necessários a uma verdadeira escola de música. Apesar de não ser a solução que preconizávamos ? recorde-se que a primeira solução passava pela construção de um edifício de raiz ao lado da Casa da Música, na Boavista ?, e atendendo às actuais circunstâncias, parece-me uma solução realista. A actual solução tem como vantagem a possibilidade de partilha de alguns equipamentos, como a cantina, os laboratórios e o pavilhão desportivo. Além disso, e apesar de estarmos a partilhar o espaço físico com a escola secundária Rodrigues de Freitas, o conservatório irá manter a sua autonomia, o seu corpo docente e o seu projecto educativo, o que parece ser o fundamental.
De que forma se processa a articulação entre as escolas de ensino regular e os conservatórios de música?
A legislação refere que deveria existir uma articulação de horários entre as escolas do ensino regular e o conservatório, mas na prática isso raramente acontece. Os alunos acabam por se sujeitar ao funcionamento da respectiva turma, fazendo com que as disciplinas das quais estão dispensados para virem ao conservatório se situem em períodos horários de difícil compatibilidade, como o meio da manhã ou o meio da tarde. De facto, o regime articulado existe em termos legais, mas não funciona muito bem na prática. Daí a opção maioritária pelo regime supletivo.
De que forma são servidos os alunos das zonas interiores do país?
Para além da rede do ensino público, existe um conjunto de escolas do ensino particular e cooperativo que mantêm um protocolo com o Ministério da Educação e que completam a rede.
E que estão equiparadas à formação ministrada nos conservatórios?
Sim, através de paralelismo pedagógico. Mas deixe-me dizer que um dos objectivos que está em cima da mesa actualmente é precisamente completar esta rede do ensino da música, porque no interior do país e no sul não existe praticamente oferta de ensino público da música. A proposta do ministério passa pelo alargamento desta oferta, nomeadamente através da criação de conservatórios regionais, tal como já acontece em Vila Real.
Como classificaria a oferta do ensino da música nas escolas do ensino regular?
Nas escolas do ensino regular não há ensino da música, há educação musical, que procura sensibilizar para a música. E aí é que reside a grande diferença entre ensino genérico, onde existem as expressões, e o ensino especializado, como é o caso dos conservatórios e de outras escolas de ensino artístico especializado. Insisto nesta questão porque foi uma confusão que ficou patente no Relatório de Avaliação do Ensino Artístico.
Mas concretamente em relação à questão que lhe coloquei?
O ensino é o possível, porque as escolas e os professores que estão no terreno não têm grandes condições para trabalhar. Nós sabemos que as coisas não funcionam muito bem. Em muitas escolas inclusivamente faltam professores devidamente habilitados para o ensino da música, porque escasseiam formadores nesta área. Daí que muitas escolas do 1º ciclo tenham optado substituir a música por outra actividade simplesmente porque não têm resposta. Todos os alunos devem ter acesso à música de uma forma genérica, nomeadamente a partir do 1º ciclo, através da educação musical. E penso que é essa tentativa que está em curso. Mas devo insistir que por muito bom que seja o modelo a implementar, o ensino genérico da música nunca pode ser posto em prática à custa do ensino especializado.
Como é feita a articulação com o ensino superior?
A articulação com o ensino superior não tem sido, de facto, a desejável. Até 1983 os conservatórios estavam responsáveis pela formação vertical do ensino da música, entre ensino básico, secundário e superior. A partir dessa altura os cursos superiores passaram para as escolas superiores de música e os conservatórios ficaram responsáveis exclusivamente pelos ensinos básico e secundário. Nós temos defendido uma maior articulação, até para que os alunos não tenham de repetir determinadas disciplinas quando ingressam no ensino superior. Muitos vezes os alunos não concluem uma determinada disciplina no conservatório porque sabem que vão fazê-la no ensino superior. Há portanto aqui uma articulação que deve ser repensada e melhorada.
Esta reestruturação em curso não seria uma boa oportunidade para concretizá-la?
Nós defendemos a concretização desse objectivo, mas nesta fase apenas definimos um modelo de escola, com a complementaridade dos três regimes, e queremos aprofundar este modelo com a revisão curricular que se aproxima, que também é urgente. Eventualmente nessa fase chegaremos a esse processo, que, de facto, é uma medida inadiável.
Entrevista conduzida por Ricardo Jorge Costa
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