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A lição da liberdade

"Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada (?)"
(Sophia de Mello Breyner)

Porque:
- Criaram um discurso que levou à escuridão da imagem dos professores, arrastando-a e agindo para que muitos membros das comunidades, pais e alunos não os respeitem, proporcionando ondas de violência, agressão e mal-estar nas escolas;
- Num país em que os poucos ricos o são cada vez mais, nos disseram, de repente, em nome do Estado Social, que nos aposentaríamos só aos 65 anos de idade, com toda a falta de respeito pelos descontos que efectuámos e pela profissão desgastante que temos, pois ignoram que a porta da sala de aula nunca se fecha, mesmo quando estamos quase a adormecer;
- Nos violentaram para aceitarmos um concurso para titulares em que valorizaram só os últimos 7 anos de serviço mesmo que já tivéssemos completado 30; e aí se nomearam só alguns cargos (na Assembleia de Escola, nos Conselhos Executivos, nos Departamentos e outros), sem se ter a dignidade de saber se foram bem ou mal executados e esquecendo ainda tantas outras tarefas desenvolvidas; e dividiram-nos em duas carreiras que não fazem sentido;
- Nos postaram a dar aulas de substituição - o que é necessário - mas sem que isso fosse contabilizado no nosso tempo de trabalho lectivo previsto na lei e, portanto, pago como extraordinário, nem perspectivado enquanto hipótese de mais-valia pedagógica que levasse aos alunos novas vias de aprendizagem;
- Diminuíram e proibiram tempos de formação dos docentes, dificultando mesmo a frequência de acções a que os professores estão obrigados, para além de a formação ter que vir a ser paga em muitos casos; e cortaram também com as equiparações a bolseiro e as sabáticas para mestrados e doutoramentos;
- Fizeram do período probatório, no qual o jovem professor deve ser ajudado pelos outros a ingressar na carreira, uma demonstração de fogo concentrada numa prova de ingresso que não vai mostrar nada a ninguém sobre o valor de um docente, tal antigo exame de Estado; para manterem algumas escolas privadas de formação de docentes de qualidade dúbia sem qualquer avaliação e para poderem pôr em causa as instituições públicas de formação de docentes com qualidade, que devem ser avaliadas quotidianamente;
- Quiseram transferir automaticamente mais de 2000 docentes afirmados "incapacitados" para a actividade lectiva, com pouca atenção à sua reconversão ou reclassificação profissional, à sua dignidade humana e à sua grande capacidade para desenvolverem numa escola outras funções do âmbito da docência;
- Transformaram a Educação Especial num serviço para alunos com problemas graves e constantes, esquecendo que as NEE devem, muitas vezes, apoiar alunos com carências menores ou pontuais e ignorando que a inclusão, na escola pública, é para todos;
- Pretendem reformar o Ensino Artístico, desde sempre "abandonado" em Portugal, pelo menos no que concerne a rede pública; e fazendo-o, optam pela via vilã de acabar com uma das modalidades de ensino: assim sem mais nem menos, sem alternativas credíveis;
- Nunca foram capazes de ouvir e negociar as nossas propostas, consultando-nos raramente enquanto trabalhadores intelectuais que somos - e interessados no melhor para as nossas crianças e jovens - e recusaram sempre ver nos nossos sindicatos os verdadeiros representantes dos professores desde que há liberdade em Portugal;
- Nos querem compelir a uma avaliação do nosso desempenho de forma ignóbil por presidentes de Conselhos Executivos e Coordenadores - os quais, em quase todas as escolas, não se consideram capazes para prover tal tarefa - fazendo da avaliação não um caminho de construção colectiva das melhorias necessárias, mas um ardil de classificações que vão contribuir cada vez mais para que os professores não subam na carreira, sejam mão de obra barata e trabalhadores que executam e não pensam;
- Em vez de activarem vivências, atitudes e hábitos necessários à gestão democrática das escolas, levando os professores a um desempenho cooperante com alunos, funcionários e comunidade educativa em geral, nos impõem um órgão de gestão unipessoal, retirando poder ao Conselho Pedagógico, o órgão que deveria, no âmbito de uma escola (que não é uma empresa), ser o deflagrador de todos os projectos educativos essenciais;
- Nos mandaram a PSP às escolas quando pensámos manifestar-nos como se ainda se estivesse em tempo de se ser coagido;
E se tal não bastasse, muitas outras razões se enunciariam.
Por isso, saímos à rua em 8 de Março. Naquele autocarrozito que saiu da escola e num repente se fez centenas deles; naquele grupo de colegas de escola que num impulso gerou cem mil professores; naquela vontade de dizer basta.
E voltaremos.
Trazemos a Lição da Liberdade no coração.

Rafael Tormenta


  
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Edição:

N.º 177
Ano 17, Abril 2008

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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