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Música mas muito ligeira

Lê-se num documento que discorda da Ministra da Educação e ergue a bandeira da defesa de uma Escola Pública de qualidade que, por decisão ministerial, "as escolas públicas de música (vulgo conservatórios) vão ser impedidas de dar aulas ao 1º ciclo (chamados cursos de iniciação), passando, assim, os actuais e futuros alunos (dos 6 aos 9 anos de idade), se quiserem continuar a estudar música, a ter de frequentar aquilo que o Estado passa a oferecer gratuitamente, as actividades de enriquecimento curricular (AEC), o que representa passar de um currículo de 6 horas semanais com estudo individual de instrumento, orquestra, formação musical, coro e expressão dramática, para uma actividade de currículo ainda desconhecido, provavelmente com a duração de apenas duas horas semanais".
O documento sublinha que os alunos interessados na formação que as actuais iniciações oferecem, terão de se inscrever em escolas particulares, o que significa deixar de pagar a propina anual da escola pública para passar a pagar valores mais elevados. O Governo diz que alarga a oferta de ensino musical através das AECs, mas ao inviabilizar o ensino do 1º ciclo (iniciações) nos Conservatórios, o Ministério impede o ensino especializado de oferecer um ensino de qualidade que visa o desenvolvimento da criança na idade ideal para o início da formação como instrumentista. Alarga, aligeirando. Este documento muito crítico diz que "a razão pela qual se extingue o 1º ciclo das escolas públicas de ensino especializado de música não tem como finalidade uma verdadeira democratização do ensino musical, assumindo declaradamente uma componente apenas de formação genérica, visando competências diferentes das que actualmente os Conservatórios oferecem para estas cargas etárias". Para os signatários deste documento, "a verdadeira razão encontra-se, sim, na necessidade de libertar os docentes que actualmente leccionam as iniciações, procedendo ao seu despedimento e posterior reconversão para leccionarem as AECs, pelas quais serão remunerados abaixo do seu actual estatuto, pois o Ministério sabe que nem a médio prazo terá docentes em número suficiente para a tal generalização do ensino da música ao 1º ciclo".
Será, em suma, uma operação de engenharia financeira levada a cabo apesar dos plausíveis riscos da degradação da qualidade que este novo sistema irá introduzir no ensino da música. "O novo sistema irá produzir indubitavelmente efeitos perversos e anti-democráticos pois terão naturalmente preferência na admissão às escolas públicas (a partir do 2º ciclo) aqueles candidatos que demonstrem maiores competências, competências essas que passarão a ser exclusivo do ensino particular a preços elevados", dizem concluindo que "não se deve, com o pretexto da criação de um ensino generalizado da música, extinguir o ensino vocacional (especializado)".
Com estas políticas, os regimes supletivos e articulados correm sérios riscos. O regime articulado permite às famílias organizar a formação dos seus educandos através de uma articulação de tempos lectivos e de escolas, nomeadamente permitindo a escolha da escola básica e a gestão do seu currículo. Simultaneamente, o regime supletivo permite às famílias escolherem as escolas e sobretudo ao aluno não ter que ficar agarrado apenas à opção música, realizando dois percursos paralelos até que a sua decisão de formação esteja definida. Possibilidades que desagradam ao Ministério da Educação. O regime de frequência supletivo ? recorde-se - caracteriza-se por permitir ao aluno frequentar as disciplinas musicais no Conservatório e as do ensino geral na escola de sua escolha. Afirma o Ministério que este regime de frequência se caracteriza por ser um ensino avulso no qual o estudante poderá ele próprio compor o seu currículo, sem obrigação de nenhum tipo de regras de precedências, o que poderá eternizar a sua presença na escola. Como por ironia, o Governo alega que o aluno do regime supletivo raramente obtém um diploma secundário de música e que isso é, potencialmente, sinónimo de insucesso escolar, pois não exigindo o ensino superior da especialidade nenhuma classificação específica do ensino secundário de música, o aluno prefere fazer uma preparação paralela num curso científico-humanístico e logo que se sente preparado concorre para o ensino superior de música ou sai para a vida profissional. Sabendo-se que para se exercer uma profissão no campo da música, os diplomas não são necessários, pois as pessoas têm que passar uma audição pratica para obterem o lugar, depreende-se que não obtenção de diploma secundário de música não é sinónimo de insucesso escolar? "A coberto de uma pseudo "democratização" do ensino da música reduz-se a prática musical apenas às AECs e sobrecarrega-se as finanças familiares se se optar por prosseguir com uma formação específica agora apenas numa escola privada. Aligeirar é a palavra rigorosa.

Outra música oficial

Diferente é a pauta do Ministério da Educação que fala em aumentar o ensino especializado da Música e o respectivo financiamento público. Actualmente existirão 17960 alunos no ensino especializado de Música, 3590 dos quais nos seis conservatórios públicos. O Governo diz querer alargar estes números pelo aumento da frequência dos cursos de iniciação e pelo recurso a novos modelos de organização, designadamente através de protocolos e parcerias com escolas básicas, e por uma oferta predominante de ensino articulado, sobretudo nas escolas públicas. Fala também em aumentar a verba disponível para a música e refere investimentos ligados à construção dos conservatórios do Porto e de Coimbra. Mas os alunos não acreditam e esta descrença está a gerar protestos. Numa petição que recolheu 4.600 subscrições em 17 dias afirma-se que há falta de validade científica no "Estudo de Avaliação do Ensino Artístico", estudo que, curiosamente, não integrou qualquer especialista das áreas de ensino artístico em análise - música, dança, teatro, artes visuais e audiovisuais ? e baseou-se numa reduzida amostra de escolas - seis num universo de 101.

Júlio Roldão


  
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Edição:

N.º 176
Ano 17, Março 2008

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

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