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A interface do sujeito (ou o sujeito diante da interface)

A relação entre sujeito e a interface digital aponta para novas formas de leitura deste ponto de contato, da situação de sujeito que nós nos encontramos e as subjetividades aderidas a este momento. A partir deste ponto buscamos compreender estas relações para percebermos a intrínseca dinâmica entre sujeito, linguagem e ação.
O que visualizamos é um sujeito cultural múltiplo que redefine a construção do homem cartesiano e universal ("penso, logo existo", ou seja, o sujeito é igual ao seu pensamento, que separa corpo e mente e se revela racional, comandante do pensamento e da ação, no qual a noção de centro e unidade prevalece) e busca uma nova linguagem para esta realidade. Porém só podemos construí-la quando percebermos o seu caráter de sistema, de conjunto (sujeito/interface) e passamos a entendê-la como agente agregador de vetores possíveis: instrumento somado a ferramenta, que se soma ainda à linguagem, à comunicação, à cultura, à contemporaneidade e à rede, em qualquer ordem. Movimento, diria até poético, corporificado em uma teia onde os nós são dinâmicos e constituem infinitas relações (nós como lexias, nós como nós mesmos). Trata-se de linguagem e processo, não apenas de uma batalha entre sujeito universal e sujeito múltiplo.
É uma atividade na qual o sentido se dá pela ação gregária mediada por uma lógica de associação baseada em relações cognitivas únicas e intransferíveis. As zonas de fricção são propulsoras e derivadas de novos meios de produção e transmissão de textos, sons, imagens. A interface não materializa os limites objetivos, as territorialidades são momentâneas e as fronteiras diluídas, relacionadas com os nossos repertórios. Isto nos obriga a trabalhar estratégias de percurso, a obra se consolida pelos links que determinam a perda da precisão de seus contornos.
A lógica do leitor distante do autor (autoridade) é abolida, leitor e autor são em algum momento sobrepostos, conjugados, entrelaçados. Assim nada é fixo, nem o sujeito, que é provocado a este estado pela interação e imersão. Velocidade, mobilidade, ubiqüidade são condições para a relação de tensão entre forma e conteúdo, convergência e hipertextualidade. Por não haver distância entre o sujeito e o objeto não podemos falar em identificação e sim em incorporação, segundo Lúcia Santaella, o que nos predispõe a liberdade do avatar. O que nos falta é perceber que esta composição do sujeito está para além do computador, nossas relações cotidianas são balizadas por esses traços emocionais, culturais, informacionais, comunicacionais, de origem fracionada e de composição múltipla.
Podemos colocar a interface como face tangível da disponibilidade. Espaço -informação, como propõe Steven Johnson, de profunda complexidade, agente de transformação social e a grande realização simbólica de nosso tempo. Esta simbiose está amarrada à noção de coletivo, plural, mais que a noção de indivíduo por um lado, e na possibilidade de um design próprio, individual por outro. A idéia de on demand [por demanda] ratifica a individualidade, porém o seu compartilhamento incrementa o trabalho colaborativo (chats, fóruns, wikis, skypes, msns, celulares, e-mails, etc.) e nos apropriamos de novas formas de lidar com modelos abertos. A coesão na interface se dá pela aglutinação temporária de fragmentos, dando sentido e fazendo a revelação deste todo inacabado (ou grande demais para ser apreendido). A transitoriedade de conteúdos efetivados pela linkagem nos coloca frente a uma associação única e de caráter permeável, onde corpos deixam passar através de seus poros outros corpos. De posse deste valor, podemos começar a inscrever questões para um pensamento hipermidiático.

Izabel Patrícia Meister


  
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Edição:

N.º 176
Ano 17, Março 2008

Autoria:

Izabel Patrícia Meister
Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo / Brasil
Izabel Patrícia Meister
Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura Universidade Presbiteriana Mackenzie São Paulo / Brasil

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