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A memória na formação e na pesquisa

Trazer à tona a própria formação como elemento constitutivo de um processo mais complexo de educação, que se faz das lembranças elaboradas no presente e de aspectos da experiência passada, pode contribuir bastante na constituição da subjetividade docente. A memória revela/oculta e vai deixando resíduos.
No discurso/prática educativa, o ato de lembrar, as biografias e as autobiografias ocupam hoje um lugar hegemônico, tornando-se uma questão político-pedagógica e de poder assumi-las na proposta curricular do processo de aprendizagem e formação do professor pois,: "(...) o pesquisador começa a recolher relatos de vida a partir de determinados quadros teóricos e epistemológicos, sendo levado pouco a pouco a colocá-lo em questão... Aproximação que permite reconciliar ao mesmo tempo a observação e a reflexão." (BERTAUX apud LANG, 2001)
Bertaux (1994) propõe buscar e desenvolver uma forma diferente de discurso, "le recit" (a narração), através da qual os elementos do conhecimento relacionados com os processos sociais e históricos encontrariam forma. A possibilidade de pensar esses processos, seja por necessidade ou por desejo, está condicionada pelo dizer do homem concreto, além do ser -embora seja um referente importante- e, na diferença entre o dizer e o pronunciar, encontra-se um pensar em, junto a, entre: " [...] através da palavra usual Gedanke (pensamento) ou Gedanc (guardar, lembrar) e que corresponde a Gemüt (alma, coração). Gedanc e Gedächtnis, memória, um recolher, um pensar interiorizado, um pensar em e junto a, um pensar entre, onde fidelidade e constância caracterizam o deixar ser-presente. É uma presença através do que é passado, do que é presente e do que é a vir (advir)." (HEIDEGGER,1969, p. 10)
A memória (Mnemosyne) pensa o já pensado, é o elo entre aquilo que leva em consideração o "pensar em, junto a, entre, é o pensar co-memorante. Recolhimento e reconhecimento". O dizer expõe o ser, e o pensar recebe, ativa e atende o ser que está posto diante de, protege tudo o que está recolhido. O pensar "é visto dinamicamente, em movimento, correlativo com o dizer, e ambos em caminho ao Ser, entre ocultação e des-ocultação do que está diante deles" (HEIDEGGER, 1969, p. 11). Na experiência de pensar e dizer, o homem habita sobre a terra e sob o céu... " e este dizer é a tra-dução das coisas que permite ao homem realizar-se como ser poiético, ser de produção à presença.
Para existenciar-se pelo pensamento e pelo dizer-se, o homem necessita da escuta, de ouvir " o alento do caminho, do campo que se ordena segundo a voz do caminho"... "ao longo do qual aparecem as lembranças dos tempos ...são as descobertas do caminho silencioso "que segue o passo do que pensa, tão próximo como segue o passo do camponês que vai, de manhã cedo para a Ceifa". Assim é colocada a experiência do Ser e do pensar, a partir da experiência das coisas. E, essa experiência, segundo Heidegger (1988), só pode ser realizada, tematizada e lembrada pelo homem aberto por meio da linguagem, da comunicação para ser e estar no mundo. E, é esse ser/estar no mundo que se vê abalado ante a pobreza de experiências políticas, corporais, da capacidade de relatar (BENJAMIN, 1994), impossibilitando ampliá- las.
Neste sentido, fazer algumas considerações a partir de leituras inaugurais sobre aproximações a aspectos teórico-metodológicos dos estudos sobre memória e formação de professores constitui uma abertura, compõe e significa o dizer e o contar de quem escreve. Por meio da pesquisa biográfica ou autobiográfica, pode-se gerar espaços para que o sujeito rememore e relate suas próprias experiências. A legitimidade metodológica possibilita que quem relata as experiências para outros produza o movimento revolucionário da possibilidade.

Referências bibliográficas

  • BENJAMIN, Walter. Magia, técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7.ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. (Obras escolhidas; v. 1) 
  • BERTAUX, Daniel; TODD, D. Jick. Desde el abordaje de la historia de vida hacia la transformación de la práctica sociológica. 1994. In: Metodología de investigación cualitativa. Trad. IICE. Buenos Aires: Instituto de Investigaciones en Ciencias de la Educación (IICE), 1994. 
  • HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Tradução de Márcia de Sá Cavalcanti. Petrópolis, Vozes, 1988. 
  • __________________. Da experiência do pensar. Porto Alegre: Globo, 1969. 
  • LANG, Alice Beatriz da Silva Gordo. História oral: procedimentos e possibilidades. In: LANG, Alice B. (org.) Desafios da pesquisa em Ciências Sociais. São Paulo: CERU, 2001.

Margarita Victoria Gómez


  
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Edição:

N.º 176
Ano 17, Março 2008

Autoria:

Margarita Victoria Gómez
Universidade Vale Rio Verde Minas Gerais
Margarita Victoria Gómez
Universidade Vale Rio Verde Minas Gerais

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