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Sociedade e escola: democracia e educação

"(?) As grades do condomínio são para trazer protecção mas também trazem a dúvida se é você que está nessa prisão (...)" O Rappa.

O Brasil vive problemas graves, como a miséria, a fome, desigualdades, tráficos de drogas e mulheres, etc.. Com essa conjuntura não se poderia esperar que a escola brasileira fosse diferente do que é. A escola que temos, faz parte, deriva da e reflecte a sociedade que somos. Não podemos esperar pois, que ela seja a salvação de todos os problemas que enfrentamos.
Assim, não é possível fortalecer o sistema educativo brasileiro, sem lutar contra o desemprego, pela segurança, saúde e justiça, e principalmente sem fazer com que a nossa classe média, para não falar das elites (económicas, políticas e intelectuais, inclusive as de esquerda), abram mão dos seus privilégios em nome de uma sociedade mais igualitária e de um consequente sistema educacional mais bem conseguido. O papel da escola é ensinar competências que possibilitem que todas as pessoas, incluindo as que estão à margem da sociedade (desempregados, meninos de rua, deficientes, prostitutas, mães solteiras, etc.) reflictam e sejam capazes de ler o mundo.
Isso implica que os objectivos da educação estejam relacionados (comprometidos) com essas mesmas pessoas e que ela, a escola, esteja preocupada com as suas condições de vida. Nesse sentido, todo o processo formativo (educativo) deverá ser oferecido da forma mais democrática possível. Utilizando outras palavras, é preciso que a escola brasileira seja capaz de reconstruir sua didáctica, bem como transpô-la às questões quotidianas das pessoas a quem ela deverá servir. Temos o direito e o dever de contribuir para que a escola seja cada vez mais solidária. Mas isso implica que tenhamos a consciência de que ela nada poderá fazer se não forem considerados os seus limites, a sua abrangência e as suas próprias desigualdades. Penso que seria importante considerar quais são as suas missões e os seus objectivos. Muito mais do que procurar garantir benefícios materiais, e eles são importantes, ela deve, a exemplo do que dizia Paulo Freire, beneficiar a leitura do mundo e a realização pessoal e política dos seus alunos. Na verdade, a acumulação de informações só interessa a alguns poucos, servindo como mecanismo de segregação. Acontece que o ensino para a democracia pressupõe professores comprometidos, e eu estou a referir-me ao comprometimento com os ideais igualitários, não com os privilégios das classes médias. Mas será que podemos esperar que os professores abandonem os seus próprios interesses? O saber por si só não garante o oferecimento de melhores condições de vida, ou a maldade do mundo não se valeu sempre da inteligência dos homens? Os currículos das escolas não possuem sempre um objectivo oculto? Ser professor não é apenas dar aulas. Contra o discurso corrente de que não se pode fazer nada, porque uma andorinha só não faz Verão, existe a ideia de que a melhoria das condições de vida do povo brasileiro, depende menos da aderência aos grandes ideais, do que do exercício quotidiano (e artesanal dos professores) sempre instável e reconstruído permanentemente. Para ser professor é preciso interessar-se pela virtude e emancipação do homem e isso é importantíssimo, pois ultrapassa e perpassa o ensino, a aprendizagem, os métodos, etc., mas é ainda mais necessário que se saiba materializar efectivamente tais ideias, fazendo com que a escola seja menos degradada e degradante.
A construção de uma escola e de uma sociedade mais justa depende de uma participação activa, da mobilização pessoal e colectiva dos actores, da renuncia a uma parte dos privilégios e poderes dos afortunados. As maiores razões para nos convencermos de que devemos lutar por esse ideal é a ideia de que colhemos aquilo que plantamos e que tal empreendimento é acompanhado por um sentimento de euforia que faz da gente, gente! Abandonar privilégios imediatos pode ser muito prazeroso e é importante, mas renunciar aos abusos é certamente indispensável para continuar vivendo. Um pequeno alerta: chegará o tempo em que as nossas grades já não nos protegerão.

Fonte Consultada: Perrenoud, Ph. (2002). A escola e a aprendizagem da democracia. Asa Editores

Luiz Gustavo Lima Freire


  
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

Luiz Gustavo Lima Freire
Psicólogo, mestrando em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da educação da Universidade de Lisboa.
Luiz Gustavo Lima Freire
Psicólogo, mestrando em Psicologia da Educação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da educação da Universidade de Lisboa.

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