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Pais interessados, filhos preocupados

Para Camila Iturra e Felix Ilsley, parte da minha descendência preocupada!

Não é por acaso que em 1924, Marcel Mauss falava, na Revista dos Sociólogos, l'Annéee Sociologique, IIª Edição, editado pela Editora Félix Alkan, Paris, que havia uma circulação de bens entre os seres humanos, circulação essa, baseada na acção que ele denominava gratuita ou recíproca, como comento no meu livro O presente, essa grande mentira social, Afrontamento, Porto, 2007.
Não é por acaso, digo, porque o mundo vivia noutra geração, a geração não interesseira nos bens dos pais, mas sim preocupada no bem estar, na saúde, no prazer, paz, serenidade e paciência dos seus ancestrais. Sentimentos preocupados, gostava de dizer. A descendência importava-se com o futuro dos seus pais, futuro curto na altura em foi escrito O ensaio da dádiva. Filhos preocupados, em todas as culturas do mundo, que não conheciam conceitos como mais valia, lucro, juros e outros, que Mauss analisa no fim do seu livro, ao denominar as actividades do trabalho produtivo como sociologia económica. Não é apenas desta reciprocidade enganosa que eu queria falar mais uma vez, mas sim, dos sentimentos de preocupação dos filhos quando os pais estão a ficar envelhecidos e não sabem muito bem como devem agir perante a vida. No começo, os pais estão interessados em investir na "programação" do dever ser dos mais novos e correm com loucura trás todos os meios para este futuro seja promissor. Não apenas no investimento em estudos e carreiras, mas, principalmente, em partilhar em conjunto o desenvolvimento de sentimentos como amor, devoção, dedicação, saúde e tratar do desenvolvimento do seu imaginário. Imaginário que, associado ao real, acaba por dar inteligência a esses pequenos, dentro das metáforas dos factos e a sua interpretação. Interpretação pensada pelos adultos além de conceitos económicos. Interpretação que traz à "baila" esses importantes textos de Sigmund Freud de 1919, Totem and Taboo, e 1905 ou Three essays on the Theory of Sexuality, ambos já em inglês. Textos invocados por serem importantes por serem importantes para entender o que os mais novos percebem dos seus mais adultos. Ideais que Mauss não pensou, em sentimentos e emoções, excepto de forma política.
Os pais estão e têm estado interessados, no desenvolvimento emotivo, no entendimento da mente e pensamentos, dos amores dos seus mais novos, bem como no fazer entender que a vida não é um Multibanco, mas sim uma realidade que requer trabalho, esperteza, cálculo, pensar antes de investir e tomar conta das poupanças. Pais interessados no desenvolvimento paralelo de emoções e poupanças. Essas poupanças que, já mais velhos, os adultos esquecem e os filhos bem ensinados, com carinho e mão firme, lembram e relembram e fazem todos os esforços para orientar os seus adultos pelo caminho do carinho e do respeito mútuo, o qual começa pela simpatia dos mais novos ao lembrar ao seus mais velhos, que a vida não acaba com a reforma ou aposentadoria. Os filhos foram criados de forma autónoma e aprenderam-na dos seus adultos, a qual serve agora para lhes ensinar a voltar a serem independentes.
Estes pais, ainda interessados no bem dos seus filhos, procuram não sobrecarregar, a sua descendência, com o peso de tomar conta deles no dia a dia, dado que, no Século XXI, os adultos podem viver até uma idade bem avançada. Há Estados, como a França, que têm trabalho para os, socialmente definidos, mais velhos, em que a terceira idade, aos 80 anos, tem Universidades para ensinar, para aprenderem a fabricar caixas de fósforos, trabalhos leves, para fazerem análise de pais e crianças, enfim, trabalho colaborador e solidário na interacção social.
Não é em vão que escrevo este texto. Acabo de passar por um processo de doença complicado, e uma equipe médica soube, na hora h, trazer-me de volta à vida. É altura de entender a preocupação dos filhos, que vêm um pai cheio de energia, à espera de poupar para os longos anos que tem pela frente. Ou, então, procurar esse trabalho para a denominada terceira idade: a escrita, que este pai sabe fazer.
É pela escrita, apesar de ter espaço limitado para exprimir ideias e sentimentos, que apenas consigo referir nomes, como os dos "proprietários" deste texto, e aos médicos em questão, bem como a alguns colegas que não denomino, por serem imensos. Contudo, todos ficaram preocupados comigo, e é esse sentimento que me torna agradecido e me faz escrever este texto, para todos, porque, sem vocês e a vossa preocupação, eu estaria num mundo temido. Graças a vós, sinto-me destemido e recuperado.

Raúl Iturra


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 175
Ano 17, Fevereiro 2008

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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