A preocupação política educativa parece ser, na sociedade ocidental actual, a questão da ocupação dos jovens à saída da escola. Prever as necessidades sociais aos níveis regional e nacional, criando cursos de formação e profissionais torna-se agora uma das competências a que as escolas são chamadas a responder. Não ser capaz de resolver estas questões de origem social significa para as escolas e para os professores incapacidade e ausência de profissionalismo; retoma-se com facilidade métodos duros e tenta-se criar medidas disciplinares que enformem os jovens no comportamento de uma cultura que não é, nem será tão cedo, a sua. Aprender a ler, a escrever e a contar - baluarte da escola fascista - assume protagonismo no ensino básico. Ressurgem, como novidades, padrões que estiveram sempre dissimulados algures desde as tendências pedagógicas que floresceram nos finais do séc. XIX; por exemplo, a questão do "medir": só é possível fazê-lo se todos estão no mesmo caminho, têm práticas comuns de avaliação, um currículo igual e um contexto semelhante; mas é um facto que há professores a procurar escolas com certas características e políticos defensores da escola pública a colocarem os filhos em estabelecimentos privados, quiçá no estrangeiro. (Trata-se de procurar velhos padrões). Os testes reaparecem nas escolas, embora possam não ser já os clássicos do velho "entra porco, sai chouriço" reservados para os exames nacionais: classifica-se a oralidade, a escrita e até a pressuposta criatividade. Renasce uma cultura de competição, em que os jovens são incentivados a coleccionar notas, pontos, vírgulas, décimas, centésimas, milésimas. "Descobrem-se" novos métodos e estratégias como sendo os melhores e "vendem-se" por aí, como se nada tivesse já sido feito, como se os grandes movimentos pedagógicos do séc. XX não tivessem existido. A principal razão para que tal possa acontecer - e grande diferença em relação a movimentos progressistas a nível da pedagogia - é que os contextos passam a ser ignorados. O que se constrói é uma espécie de indústria escolar, em que os curricula são avaliados de forma uniforme, para que as escolas possam ser responsabilizadas por falhas sociais nacionais, para que os pais possam escolher as "melhores", de acordo com "padrões de qualidade" superiormente incutidos, pouco fiáveis e que não fazem senão aumentar o fosso social existente em Portugal. Interessam os resultados, vê-se o mundo através de medidas, investe-se no controlo e na capacidade de prever. Os jovens são comparados entre si e seleccionados sem se saber o que lhes foi proporcionado na escola pública, de acordo com as suas necessidades específicas culturais e sociais. As escolas movem-se no campo dos negócios e sobrevive quem dominar - quase sempre aquelas onde os que chegam já trazem as melhores condições. A maior incongruência é a da avaliação dos professores: díspar, ignorando o âmbito em que cada um trabalha e o valor da sua história profissional e institucional, sem prever a construção em equipa; e sem ter a noção de que a avaliação é, por si só, um percurso de formação e não um momento de classificação. Os nossos jovens têm direito a muito mais. O que fica fora da escola"empresarial" são as interacções pessoais, entre alunos e professores, alunos e alunos, professores e professores; e as culturas minoritárias. Passou-se de uma forma do desenvolvimento humano, pessoal e cívico para uma competição da economia global. Aos estudantes não se proporcionam múltiplas perspectivas nem o desenvolvimento de certos hábitos e modos de pensar. A oralidade nas aulas, agora muito acicatada, deveria ser um desafio que estimule o pensamento reflexivo e imaginativo e não uma repetição dos manuais. A prática da elocução enquanto incentivo da expressão individual deve ser estimulada num ambiente democrático, capaz de proporcionar dinâmicas colectivas. Conseguem os estudantes "fazer a ponte" entre a escola e o "mundo real"? O importante está sempre lá fora! E se os professores se isolam nas suas práticas e as subordinam a situações de avaliação por coordenadores de departamento, presidentes de conselho executivo ou inspectores, corremos o risco de perpetuar uma cultura de escola em que continua a promover-se um sentido do Mundo restrito e restritivo e em que a função intelectual é mínima. As escolas não são melhores para os estudantes do que para os que nelas trabalham. Para melhorar, há que definir caminhos das necessidades dos professores e ter uma visão do que é importante em educação em cada comunidade educativa. E não prescindir. As diferentes formas da significação humana raramente são expressas em diversas formas de representação. Os tipos de significados em poesia, em artes visuais, em música, ou em drama são diferentes formas de ler, de interpretar e de construir sentidos. Ler é também codificar. Que oportunidades têm os nossos jovens para formularem as suas propostas e desenharem os seus caminhos para as atingirem? Como os ajuda a Escola-Empresa alvitrando produtos que são padrões iguais para todos? Como podem os "homens de amanhã" inventar o futuro? Quando os jovens chegarem mais cedo com satisfação à escola e saírem mais tarde, porque querem, porque se sentem bem na sua jornada intelectual, não andaremos no "entra soja, sai hambúrguer vegetariano".
Rafael Tormenta
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