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Tecnologias digitais para a inclusão social III

(interacção mediada com núcleos de estudos e acção local)

Em Agosto, depois das notas aqui publicadas no número anterior, decorreu o trabalho de campo em Minas Gerais (Jequitibá, Pedro Leopoldo, Serra do Cipó). Os objectivos iniciais do trabalho de campo e da investigação eram os de estudar o património imaterial e o capital social em torno das práticas culturais e sociais locais relacionadas com o rituais do congado ? coroação de reis Congo, prática iniciada em Portugal e Espanha e que se estendeu por grande parte América Latina.
Desta investigação, mediada pelas tecnologias digitais, resultaram milhares de fotografia, muitas horas de registo áudio e vídeo, alguns filmes, um hipermedia e textos publicados nas revistas da especialidade que serviram os objectivos académicos e científicos do projecto e dos investigadores nele envolvidos. Este, o processo normal de desenvolvimento de um projecto de pesquisa e da produção científica orientada para o ensino e a publicação.
Houve, no entanto, neste processo algo que nos parece relevante e que nos questiona sobre os objectivos da investigação em antropologia e das ciências sociais em geral. Trata-se da devolução à comunidade local dos produtos resultantes da investigação.
Em primeiro lugar aos nossos interlocutores mais próximos, os actores principais dos rituais e das práticas culturais estudadas e os grupos que as mantêm há muitas dezenas ou centenas de anos, necessariamente mudadas e reconfiguradas a cada época e a novos actores sociais. Verem-se pela primeira vez representados num filme enquanto desempenham uma função ritual, ou na simplicidade da vida quotidiana constituiu um contributo para sua auto estima, um desencadear de emoções e até a criação de uma remota esperança de que as práticas que estão representando (realizando) possam sobreviver ao desafios de uma sociedade globalizada. Esta apropriação é sobretudo emocional.
Em segundo lugar a devolução do produto da investigação foi entregue às instituições locais ? ao município, à biblioteca local, às escolas, às associações locais. A investigação contribuiu assim para o acervo documental local e consequentemente para o melhor conhecimento (reflexivo) do local pelos locais.
Estas práticas não são de todo alheias à antropologia de terreno. As obras dos antropólogos por vezes vão ter às bibliotecas locais ou às mãos dos informantes privilegiados. A devolução das fotografias, dos filmes e dos discos (CDs ? áudio) tornaram as produções científicas e documentais mais acessíveis às populações locais, tornaram-nas também objectos de partilha e de memória pessoal e institucional. Há nesta situação sobretudo duas lógicas ? a apropriação emocional destas produções e a lógica de enriquecimento dos acervos documentais (dos arquivos ou das bases de dados) ainda que disponíveis para a utilização no ensino e em novas investigações ? estudos etnográficos longitudinais.
Sente-se agora necessidade de prosseguir o caminho da devolução dos saberes académicos, construídos no local, aos locais e na construção de saberes a partir do local. Há que inventar novas formas de partilha de saberes ? de utilização dos saberes locais pela academia e utilização dos saberes académicos no contexto local. Este objectivo torna-se hoje possível através da utilização das tecnologias digitais nos processos de investigação e comunicação com as comunidades locais.
No prosseguimento da investigação criaremos na comunidade académica um rede de interacção, uma comunidade de prática, que junte diversos saberes em torno do local, que facilite a comunicação entre investigadores das diversas áreas envolvidas na investigação, que ligue os investigadores ao local ? como forma de extensão universitário e serviço à comunidade. Caminhamos assim no sentido de congregar um grupo de investigadores universitários interessados na realização de estudos locais (economia, sociologia, antropologia, saúde, comunicação, ciência política, tecnologias, educação) a que chamamos INTERACT (inter ? acção) e simultaneamente negociar com os lideres locais a criação de núcleos de estudos e acção local ? NEAL que assegurem a identificação dos problemas locais, agreguem os actores locais (forças vivas) emprenhados no processo, escolham os seus líderes e participem / apõem / colaborem na realização dos estudos locais e na apropriação e utilização dos saberes académicos na resolução de problemas locais. A mediação entre os dois grupos é sobretudo viabilizada pelo uso sistemático das tecnologias digitais.
Assim o desenvolvimento do projecto de investigação que iniciámos adquire novas reconfigurações, sem perda das suas características iniciais. Adapta-se ao terreno e estabelece a comunicação entre os saberes locais e os saberes académicos (saberes próximos da experiência e os saberes mais abstractos e globais) e utiliza as ferramentas e as potencialidades da era digital. Torna-se um processo de inclusão mediado pelas tecnologias digitais e uma comunidade de prática de produção e troca de conhecimentos em rede. Mas há que não ficar por aqui. Há que disponibilizar conteúdos e serviços à comunidade, contribuir para o desenvolvimento de competências tecnológicas e sociais dos utilizadores locais orientadas para a resolução de problemas, verificar o que as tecnologias trazem de retorno à comunidade local, desafiar as instituições académicas e locais a sair dos moldes (modelos) tradicionais e a empenharem-se em percursos inovadores susceptíveis de criar mais valias locais - aprendizagem, satisfação emocional, capital social, participação, rendimento, outras formas de benefício social e económico, e a tornar a investigação e as tecnologias socialmente úteis.
Ah! Esqueci-me de mais uma nota. Esta experiência pode articular-se com outras possibilitando a comparabilidade interna (dentro de um mesmo país ou região) ou externa (entre países ou regiões). Pensaremos isto no âmbito dos países da língua portuguesa.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta
José da Silva Ribeiro
Centro de Estudos das Migrações e das Relações Interculturais. Laboratório de Antropologia Visual. Universidade Aberta

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