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Elementar, meu caro Watson!
Todos mantemos ainda um carinho muito especial pelos Prémios Nobel, crendo, sem quaisquer dúvidas, nas suas capacidades e competências científicas, envolvidas por outras como a responsabilidade, a integridade, o sentido de justiça. Há um conjunto de verdades aparentemente inabaláveis que insistimos em transmitir aos nossos filhos e aos nossos alunos. Foram-nos comunicadas pelos nossos antepassados, evoluíram com as "revoluções" da nossa e de outras gerações e permaneceram valores que deverão (-riam?) perpetuar-se no nosso quotidiano.
James Dewey Watson, Prémio Nobel de Fisiologia e Medicina em 1962 (juntamente com dois colegas) pela revelação da estrutura em dupla hélice da molécula do ácido desoxirribonucleico (ADN) - o que permitiu compreender como funciona a informação hereditária "copiada" ? escandalizou o planeta inteiro ao publicar recentemente um artigo no Sunday Times Magazine em que afirma estar pessimista sobre África porque, embora todas as políticas sociais (ocidentais, imagino) considerem que a inteligência dos africanos é igual à nossa "todos os testes dizem que não é assim". E acrescenta que tal facto é fácil de reconhecer por quem tem "de lidar com empregados negros (?)". Claro que o cientista afirmou também que os negros não eram encorajados, (ou não deveriam ser - há diferentes versões na imprensa) depois de não obterem sucesso nos níveis de ensino mais elementares; e quando viu a reacção do mundo e as suas conferências e lançamentos de um novo livro cancelados desculpou-se, dando a entender que não teria dito exactamente aquilo; porém, não terá sido a primeira vez que se pronunciou sobre assuntos que não são exactamente os da sua especialidade.
Perante este facto, a responsabilidade dos professores - quando pretendem comunicar aos alunos "verdades e valores constantes" e esquecem a utilização de estratégias que proporcionem o respeito e o interesse pelos outros, a disponibilidade para ultrapassar estereótipos e preconceitos, a tolerância e confiança em todos os seres humanos ? é, no mundo em que vivemos, cada vez maior.
Ou porque nos habituámos erroneamente a pensar que há "absolutamente bons" e "absolutamente maus"; ou porque os media, mais ou menos cor-de-rosa, vendem mais se o artista, o jogador de futebol, ou o cientista forem (principalmente) uma espécie de sonho de fadas que o público quer ler ou ver; ou simplesmente porque não há Prémio Nobel para tantos heróis do quotidiano que não chegam à Universidade, nem à TV, ou não têm a presunção de andar a "vender" aos outros mais-valias morais que eles próprios raramente são capazes de cumprir.
Curiosamente, no princípio do século XX, foi um outro Watson - John Watson, pai do behaviorismo na Psicologia - quem, mostrou determinadas semelhanças entre o nosso comportamento e o de outros animais. Filho de pai violento que acabou por abandonar o lar, viveu pobre durante muitos anos e singrou a pulso na sua carreira universitária. Este comportamentalista considerava que a rede nervosa que determina as nossas condutas está condicionada pela experiência. Opunha-se à Psicanálise de Freud que considerava fantasiosa e também às teorias inatistas. E dizia: "Dêem-me uma dúzia de crianças sadias (?) e a espécie de mundo que preciso para as educar, e eu (?) ao acaso, a prepararei para se tornar um especialista: um médico, um comerciante, um advogado e, sim, até um pedinte ou ladrão, independentemente dos seus talentos, (?), aptidões, assim como da profissão e da raça dos seus antepassados." Pressupõe-se que não era racista. (Em princípio?)
Já muito se evoluiu em termos teóricos. Mas esta questão do social e do hereditário, não parece, afinal, resolvida. Deste cientista, John Watson, toda a gente soube na época do "escândalo" do seu romance com uma colega de trabalho e do seu divórcio, o que conduziu ao seu despedimento da Universidade e ao abandono do mundo académico e da investigação. Como se a Humanidade estivesse interessada ou tivesse algo a ver com a vida privada de um cientista?
O grande problema é que ? mesmo que saibamos e devamos aprender e ensinar que ninguém é perfeito em tudo ? quando se aceita ser Prémio Nobel se celebra com essa mesma Humanidade um pacto de honra demasiado elevado para se poder um dia dizer qualquer coisa que nos vem à cabeça, ainda que haja o cansaço, a depressão e outras doenças que é necessário compreender.
Um terceiro homónimo, Dr. John Hamish Watson, não passou de uma personagem de ficção, criada pelo escritor inglês, dedicado ao espiritismo e crente em fadas, Arthur Conan Doyle; este Watson era médico e - segundo o seu introvertido companheiro Sherlock Holmes - um romântico demasiado sentimental para uma análise lógica dos factos. Certamente através das suas diferenças é que eram grandes amigos e resolviam os dificílimos casos de investigação em conjunto, num trabalho complementar exímio.
Do que se aprende na escola e no mundo sobre valores, haveria de prevalecer essa dúvida, metódica ou não, de que ninguém é melhor ou pior que o outro, de que todos têm sempre algo a dar ao mundo. Descobrir essas grandezas é que às vezes parece difícil. Trata-se de uma postura que se tem, no Mundo, para com os Outros. Como diria Holmes, afinal:
- Elementar, meu caro Watson!

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário
Rafael Tormenta
Professor do Ensino Secundário

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